Cezar Sperinde

por Julia Lima

Tempo de leitura estimado: 3 minutos

O trabalho de Cezar Sperinde começa com a fotografia, mas vai muito além do suporte fotográfico. O artista, natural de Porto Alegre, estudou artes visuais na Bezalel Academy of Arts e Design, em Tel Aviv, Israel, antes de mudar-se para Londres para frequentar o mestrado na Slade (School of Fine Arts, UCL). O artista logo expandiu seu campo de atuação em direção a territórios menos precisos, incorporando a linguagem da escultura, da instalação, do vídeo e da performance em seus projetos.

Projeto, inclusive, é uma palavra-chave para entender sua pesquisa, não apenas porque há sempre um desenho projetual, conceitual, antes de qualquer coisa, mas também porque a produção rigorosa, detalhista e ambiciosa de suas obras demanda um fôlego de execução diferente – não é no ateliê propriamente que o trabalho finalmente se realiza, mas na montagem em si, no fazer e concretizar da obra. Assim, sua produção está mais atrelada a imaginar e elaborar imagens e depois descobrir maneiras de realizá-las do que deparar-se no embate com os materiais com o que o acaso traz. Isso não significa, no entanto, que não haja imprevisibilidade na materialização de suas ideias. Pela natureza teórica do trabalho, há com frequência uma dependência de terceiros para produzir, instalar, operar ou atuar no momento de tirar a “imagem” do papel (ou do computador).

Em muitos de seus vídeos sentimos um estranhamento de talvez estar diante de fotografias estanques, que ora trazem cenas em que pouco ou nada acontece (mas o olho acaba percebendo talvez algum movimento), ora apresentam uma ação que é cumprida por alguém ou encenada pelo próprio artista. É como se tivéssemos acesso a apenas um pequeno trecho de uma longa história, um gesto que vem de muito antes e continua por um longo tempo depois.

Sperinde desdobra suas pesquisas não apenas nas imagens digitais – estáticas ou em movimento. Objetos e instalações são inerentes à sua prática, e da mesma forma seguem a lógica de um desenvolvimento primeiro como projeto, depois como material. As soluções empregadas são, em geral, o uso de materiais industrializados e prontos para consumo (como fitas adesivas, boias infláveis, cordas e lonas legatários dos readymade), ou encomendados ou feitos sob medida para o trabalho (porque não existiam no mercado nas proporções, formas, cores e composições idealizados pelo artista). Há nessas obras uma relação de correspondência com a arquitetura do lugar onde elas se instalam. Não há um desejo de especificidade do local – conversando em seu ateliê, inclusive, chegamos à conclusão de que seu interesse não está em criar obras “site specific”, mas sim “context specific”, ou seja, que conversem com o contexto como um todo. Não é só a arquitetura, portanto, que informa esses objetos e instalações, mas o contexto geográfico, político, social, econômico, histórico, artístico e o que mais possa preocupar o artista. É por isso que um traço comum em todo seu corpo de trabalho (mas que é extremamente sutil e provavelmente passa desapercebido em uma primeira visada) é o aspecto biográfico que Sperinde imprime em suas criações. Há uma atenção recorrente, por exemplo, às ideias de deslocamento, fronteira, pertencimento, território, nacionalidade e nacionalismo, ecoando diretamente sua experiência como expatriado; no entanto, esse interesse é indissociável também do tecido social tensionado por essas questões tão urgentes desse mundo globalizado, onde as distâncias se encurtam radicalmente, ao mesmo tempo que a movimentação se torna igualmente mais fácil e mais problemática. A alusão a experiências pessoais é reduzida em seus projetos, emerge mais como insinuação ou como pano de fundo de uma vivência que pode ser compartilhada, do que como menção literal e narrativa de passagens e acontecimentos. Sperinde trata da existência, do pertencimento, do caminho, da identificação e do desvio como quem fala da natureza da vida, e não como quem fala de si.

Por fim, há uma dimensão essencial para a compreensão das obras de Sperinde: seus títulos são mecanismos que destravam novas camadas de leitura, ou um remate inusual dos trabalhos, insólito para o espectador. Eles não nos ajudam a explicar ou resolver o problema que nos encara de frente, como uma esfinge que nunca verbaliza sua pergunta, pelo contrário. Podem nos causar mais espanto ou confusão, ou no mínimo nos mantém tateando, intrigados pelo que não se revela de imediato. Contradições disparatadas são essenciais a certos nomes escolhidos pelo artista, quase literários. “Tropical Sweden” ou “Pillar Cloud” são alguns dos paradoxos intransponíveis, absolutamente incompatíveis e irreconciliáveis, que designam seus trabalhos, indicativos das várias (im)possibilidades de interpretação e jogos de sentido que atravessam a prática de Sperinde e que nos convidam indagar a esfinge a pergunta que ela nunca chega a nos fazer.

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