Quem foi Linda Nochlin?

por Julia Lima

Em 1971, a historiadora da arte Linda Nochlin publicou o polêmico ensaio “Why Have There Been No Great Women Artists?”, ou, em tradução livre, “Por que não existiram grandes artistas mulheres?”. Conhecido como um dos principais textos sobre mulheres artistas e o papel do feminismo na história da arte, o ensaio continua ecoando hoje nas pesquisas, acadêmicas ou não, sobre mulheres artistas e o feminismo. Há exatamente 1 ano ela faleceu em sua casa, em Nova York, aos 86 anos, deixando um dos mais importantes legados para críticos, curadores e historiadores interessados em encontrar diferentes abordagens e caminhos na pesquisa sobre arte.

Criada em Nova York, no Brooklyn, Nochlin estudou na Vassar College, uma universidade que originalmente recebia apenas discentes mulheres. Como aluna e depois como uma jovem professora, a historiadora acompanhou a formação da coleção de arte do departamento da universidade, a qual era formada majoritariamente por mulheres artistas – não por uma posição feminista, mas porque as obras eram mais acessíveis e as artistas mulheres faziam parte dos programas de palestras do curso.

No final da década de 1960, Linda entrou em contato com o movimento feminista na Europa, na época conhecido como “woman’s movement”. Ela conta em entrevistas que sempre tivera posturas libertárias e progressistas, mas depois de ler materiais e publicações que desenhavam os primeiros contornos da segunda onda feminista, tornou-se formalmente parte do fluxo. Em uma entrevista concedida em 2017, ela conta que na época antes de identificar-se com e estudar a fundo o movimento feminista, ela e suas colegas na universidade não tinham tanta consciência da discrepância entre homens e mulheres no mercado da arte. Não se levantava esta polêmica e não se debatia esse assunto, lembra Nochlin, até que esse tópico cirstalizou-se na emergência do movimento.

A ideia para seu icônico ensaio foi despertada por um galerista que lhe disse: “Linda, eu adoraria mostrar mulheres artistas na minha galeria, mas por que não há grandes artistas mulheres?”. A partir dali, Nochlin passou a organizar sua teoria primeiro tecendo hipóteses sobre a natureza da pergunta que intitula seu ensaio. Esse é o primeiro ponto essencial e preciso de seu texto: a pergunta já traz em si diversas camadas de presunção e quase nos leva involuntariamente à (equivocada) resposta “porque as mulheres são incapazes de grandeza”.

“Tentamos lidar com uma das questões perenes que são usadas para contestar as demandas das mulheres pela verdade (e não por algo simbólico, igualdade): primeiro, ao examinarmos a inteira subestrutura intelectual errônea sobre a qual se baseia a pergunta “Por que não existiram grandes artistas mulheres?”; depois, ao questionarmos a validade da formulação das ditas “questões” em geral, e da “questão” da mulher mais especificamente; e, então, ao investigarmos algumas das limitações da própria disciplina da história da arte. Com alguma esperança, ao destacar as pré-condições institucionais (i.e. públicas) e não individuais ou privadas necessária às conquistas (ou sua ausência) na arte, estabelecemos um paradigma para a investigação de outras áreas desse campo. Ao examinar em detalhes uma única instância de privação ou desvantagem – a inacessibilidade a modelos nus imposta às mulheres estudantes de arte – sugerimos que, de fato, foi institucionalmente impossibilitado às mulheres alcançar a excelência artística ou o sucesso na mesma medida que os homens, não importando a potência de seu dito talento ou genialidade. A existência de um minúsculo grupo de artistas mulheres bem sucedidas, até grandes, ao longo da história da arte não faz nada para contradizes esse fato, nem mesmo a existência de alguns astros ou ícones entre os membros de qualquer minoria. E ainda que grandes conquistas sejam no mínimo raras e difíceis, elas são ainda mais raras e mais difíceis se, ao mesmo tempo em que você trabalha, precisa lutar com os demônios interiores da insegurança e da culpa, e com os monstros exteriores do encorajamento ridículo ou condescendente – quando nada disso tem qualquer relação específica com a qualidade da obra de arte como tal.

O que é importante é que as mulheres encarem a realidade de sua história e de sua situação presente, sem inventar desculpas ou inflar mediocridade. A desvantagem pode, de fato, ser uma justificativa. Ela não é, contudo, uma posição intelectual. Ao contrário, ao usar como vantagem a posição de azarão no universo da grandeza, ou a posição de forasteiro no campo da ideologia, as mulheres podem revelar as fraquezas institucionais e intelectuais em geral e, ao mesmo tempo que destroem a falsa consciência, participam da criação de instituições nas quais o pensamento claro – e verdadeira grandeza – são desafios abertos a qualquer pessoa, homem ou mulher, corajosa o suficiente para arriscar-se e lançar-se para o desconhecido.”

No entanto, a contribuição de Nochlin foi muito mais profunda do que argumentar por uma releitura da história da arte ou uma mudança nos parâmetros e condições de formação e trabalho de artistas na década de 1970. A acadêmica inaugurou, de certa forma, uma nova vertente nas pesquisas históricas e historiográficas da arte, partindo de um argumento feminista e militante para essas possíveis (re)escritas.
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