A arte nas feiras de arte

por Julia Lima

O aumento do número de feiras de arte no mundo tem se tornado um fenômeno digno de estudo. Em pouco mais de uma década, o número de ofertas internacionais foi multiplicado quase sete vezes. De hoje, em junho, até o final do ano de 2018, quem quiser poderá visitar ainda 46 feiras por todo o planeta, inclusive em continentes menos imediatos como Oceania e Ásia. As cidades vem buscando avidamente estabelecer um circuito de feiras – o turismo associado ao evento movimenta muitos recursos; os colecionadores têm organizado sua agenda de viagens de acordo com o cronograma de festivais; e as galerias competem cada vez mais assiduamente para participar das edições pequenas, médias e gigantescas desse modelo de mercado que tem, cada vez mais, moldado o sistema da arte.

Porém, mais recentemente, esta modalidade de negócio vem sendo questionada e é controversa. Sabe-se, por exemplo, que muitas das vendas acabam sendo feitas meses antes, mas as transações só são finalizadas durante as feiras porque frequentemente os governos oferecem algum tipo de incentivo fiscal (e isso não acontece apenas no Brasil). Muitas das galerias chegam a ter 70% do seu faturamento associado às feiras internacionais. Museus e instituições e seus patronos aproveitam os eventos para fazer aquisições de acervo e receber doações para suas coleções. Os espectadores e amantes da arte têm a chance de ver um panorama absurdamente amplo em uma única visita, que permite encontrar obras modernas e contemporâneas em praticamente toda variedade de suporte.

Mas o que isso implica para os artistas? Há uma mudança de paradigma no processo criativo quando se deve levar em consideração o ambiente acelerado e às vezes até pouco receptivo das feiras? De acordo com alguns pesquisadores, consciente ou inconscientemente alguns artistas acabam de fato se impactando por formatos ou por assuntos que se mostrem mais palatáveis em feiras. É um paralelo ao fenômeno do instagram, por exemplo. Quanto mais fotografável, mais circulável e visível se torna a obra.

O circuito das feiras, inclusive, tem contribuído para delinear essa transição. Os eventos têm sua parcela dedicada ao mercado, mas é crescente a preocupação com a institucionalização, com exposições curadas, setores inteiros dedicados a obras de performance, painéis de conversas e discussões de toda sorte, e até programas de exibição de filmes e vídeos de artistas e sobre artistas, como nesta edição da Art Basel 2018, na Suíça, a maior e mais importante feira de arte do mundo.

A performance, ademais, tem se tornado uma linguagem-chave dentro desse tipo de acontecimento. É cada vez mais frequente que feiras tenham plataformas dedicadas exclusivamente à performance, às artes do corpo e à música, sempre com curadores convidados trazendo propostas ousadas e radicais, linhas de pesquisa vanguardistas e artistas jovens, emergentes ou estabelecidos realizando ações muitas vezes inéditas e pensadas para aquele contexto. A autora Claire Bishop, aliás, cita em ensaio sobre a terceirização da performance que Jack Bankowsky, editor da Artforum, cunhou o termo “arte de feira de arte” [1] como forma de designar uma modalidade de performance que depende do ambiente espetacular e econômico das feiras de arte.

No entanto, é curiosa a presença progressiva de obras de performance nesse tipo de  evento porque, no passado, a performance – assim como a land art e outros movimentos – foi pensada também como forma de romper com o mercado de arte, tirando a possibilidade de venda do objeto, deixado de lado em favor em ações efêmeras que só podiam ser acessadas por quem estivesse presente, ao vivo. Isso, contudo, é impensável hoje como discurso, desde que se começou a colecionar esse tipo de trabalho e que museus passaram a ter departamentos inteiros dedicados a esse modo de expressão. De toda maneira, é inegável que a performance tem ganhado protagonismo nas feiras.

Por fim, o impacto da expansão desenfreada das feiras de arte no mundo sobre a produção artística contemporânea só poderá, de fato, ser avaliado em alguns anos, quando o sistema se estabilizar e esses incontáveis festivais responderem positiva ou negativamente às oscilações maiores do mercado de arte. Até lá, vamos tentando acompanhar o frenesi do consumo, associado à internacionalização das estruturas das galerias e ao aumento da produção dos artistas, que devem sempre responder a esse cenário, seja negando-o, seja alimentando-o.

 

[1] Jack Bankowsky, ‘Tent Community’, Artforum, Outubro 2005, pp. 228–32.

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