Confira alguns destaques de obras de artistas mulheres na SP-Arte 2023

Diante do cenário desanimador para artistas mulheres no mercado, selecionamos algumas obras potentes que merecem maior visibilidade

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Ano passado testemunhamos a histórica exposição da 59ª Bienal de Veneza, O Leite dos Sonhos, com curadoria de Cecilia Alemani, na qual apenas 10% dos 213 artistas apresentados se identificaram como homens. Nos últimos anos também temos visto um aumento no número de mulheres artistas que recebem pesquisas e retrospectivas atrasadas nos museus do Brasil e do mundo. Os avanços são inegáveis, mas a realidade atual ainda não é nada otimista.

Um novo relatório da Artsy revelou que dos impressionantes US$11 bilhões em obras de arte vendidas em leilão no ano passado, apenas um pouco mais de US$1 bilhão – ou seja, menos de 10% – era de obras de artistas mulheres. Além disso, nessa mesma pesquisa, a soma total das 50 obras mais caras de artistas mulheres, não te permitiria comprar as duas obras mais caras de artistas masculinos: Shot Sage Blue Marilyn, 1964, de Andy Warhol e Les Poseuses, Ensemble, 1888, de Georges Seurat.

Por mais retrógrado que possa parecer, ainda se faz necessário reivindicar os espaços das mulheres no mercado artístico. Por isso reunimos uma lista de algumas obras de artistas de grande destaque na 19ª edição da SP-Arte para você conhecer e até, quem sabe, comprar. Ainda que bastante restrita, esperamos que ela te inspire a olhar com mais atenção para as produções das mulheres presentes na feira. 

  1. Carla Chaim, Mole, 2023 – Galeria Raquel Arnaud 
Carla Chaim, Mole, 2023

Chaim possui uma ampla produção em desenho, entendendo a linguagem não somente como uma manifestação em papel, mas como vestígio de sua ação em qualquer suporte possível. Seu corpo também é inserido no processo criativo como matéria primordial de criação. Assim, a artista deixa rastros por meio de uma restrita paleta de cores e movimentos orgânicos repetitivos, deslocando o gesto de seu caráter unicamente expressivo e revelando sua potência reflexiva.

  1. Julia Pereira, Eu gosto dos que ardem, 2021-23 – Arte Fasam 
Julia Pereira, Eu gosto dos que ardem, 2021-23

A jovem artista paulistana que se debruça a pesquisar sobre psicanálise, sexualidade e filosofia, envolve suas memórias e corpóreas e psíquicas em traduções majoritariamente pictóricas, mas também em desenhos, fotografias e vídeos. Vale dizer que o trabalho de Julia compõe uma curadoria de obras primárias apenas de artistas mulheres no estande da Fasam. 

  1. Brígida Baltar, Casa cosmos, 2010 – Nara Roesler
Brígida Baltar, Casa cosmos, 2010

A artista carioca, considerada pioneira no conceito de escultura transitória no Brasil, veio a falecer aos 62 anos no ano passado, vítima da leucemia, com a qual lutava contra há anos. Baltar colecionou durante quase dez anos materiais da vida doméstica, como a água que escorria de goteiras no telhado ou a poeira marrom‑avermelhada dos tijolos de barro das paredes – como é o caso da obra Casa Cosmo. 

  1. Panmela Castro, I think I can say that like you a lot, 2022 – Galeria Luisa Strina
Panmela Castro, I think I can say that like you a lot, 2022

Grande destaque da cena artística do eixo Rio-São Paulo, Castro traz para a feira Relembrança, uma série de pinturas inéditas que retratam cenas de seu caso de amor vivido há quatro anos em um aplicativo de celular de inteligência artificial. As obras buscam abordar a complexidade de sentimentos e emoções que emergem da interação entre humanos e máquinas na contemporaneidade.

Castro também é uma das selecionadas para o novo setor Showcase, uma curadoria de Carollina Lauriano que apresenta obras cujos temas pautam as relações entre crimes ambientais e violências étnico-raciais.

  1. Élle de Bernardini, Yin e Yang, 2023 – Portas Vilaseca
Élle de Bernardini, Yin e Yang, 2023

Como o próprio nome do díptico indica, Bernardini se baseia no conceito do taoísmo que entende duas forças fundamentais opostas e complementares como constituintes de todas as coisas. Segundo a artista trans do Rio Grande do Sul, a obra é a união do que aparenta serem lados opostos, mas que na verdade são duas faces de uma mesma coisa. Afinal, quando as telas são encostadas pelas partes de trás os cortes se tornam um só. 

  1. Mira Schendel, Sem título, 1954 – Galeria Superfície 
Mira Schendel, Sem título, 1954

Suíça radicada no Brasil, Mira Schendel foi um dos expoentes da arte contemporânea brasileira com uma produção marcada pela constante experimentação. Seus trabalhos geralmente não tinham títulos individualmente, mas eram agrupados em séries nomeadas. Na década de 1950, na qual se insere o trabalho destacado acima, sua linguagem pictórica simplifica-se progressivamente, em trabalhos que exploram o tratamento dado à superfície. 

  1. Heloisa Hariadne, Amar só sei falar de amor e desde então nunca faltou, 2023 – Galeria Leme 
Heloisa Hariadne, Amar só sei falar de amor e desde então nunca faltou, 2023

Hariadne apresenta seu mais recente trabalho como uma continuidade de sua pesquisa pictórica tipicamente hipercolorida. As composições fluidas da jovem artista paulista reverenciam a ancestralidade negra e a conexão entre homem e natureza. Segundo a curadora Cecília Fortes, “a artista visual paulista constrói uma narrativa afirmativa, que emana liberdade, segurança e beleza. Confronta aqui e agora crenças limitantes de um passado ainda presente”.

  1. Lygia Pape, O Olho do Guará, década de 1980 – Galatea
Lygia Pape, O Olho do Guará, década de 1980

A gente já está acostumado a ver as clássicas esculturas de metal da grande expoente do manifesto Neoconcreto Brasileiro, que promoveu o ideal de que a arte não era uma representação estática, mas sim orgânica e experiencial. Por isso, à primeira vista, você pode não reconhecer a linguagem de Pape na obra de pele sintética, gesso e luminária neon. 

Em 1977, Mario Pedrosa, ao voltar do exílio em Paris, desejou transformar o seu crescente interesse pelos povos indígenas numa grande mostra no MAM Rio, incluindo Pape no projeto. Infelizmente, um incêndio no museu inviabilizou os planos, mas a troca entre os amigos teria inspirado séries como a da obra selecionada. Ao público, a artista deixou a instrução de olhar a luz colorida fixamente por 60 segundos. O resultado se dá na saturação da retina que faz com que o organismo devolva à visão a cor complementar àquela observada, e assim o espectador vê a figura de uma onça deitada.

  1. Ayla Tavares, Eclipse, 2021 – Gomide & Co
Ayla Tavares, Eclipse, 2021

Na feira, a obra de Tavares compõe uma seleção do estande da Gomide & Co que evidencia as materialidades provenientes da terra, com especial atenção para o universo da cerâmica. A artista natural do Rio de Janeiro usa o material, que exige um manuseio bastante processual, para trabalhar diferentes camadas de tempo e assim pensar o cotidiano, a memória e a vida comum.

  1. Carmézia Emiliano, Wazaká – A árvore da vida, 2022 – Papel Assinado
Carmézia Emiliano, Wazaká – A árvore da vida, 2022

A artista indígena macuxi e natural de Normandia, Roraima, traz nesta gravura uma citação direta ao mito bastante tradicional sobre a árvore da vida, chamada Wazaká. A história, que possui mais de uma versão, em suma conta que Macunaíma e seus irmãos passavam muita fome até descobrirem a Wazaká, árvore gigante, que tocava os céus e tinha os mais diversos frutos. Em determinado momento, um deles não se contenta apenas com os alimentos que caem no chão e, em sua ganância, decide cortar a árvore. O toco que sobra, teria originado o Monte Roraima, localizado na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.

  1. Crislaine Tavares, Os dias ao longo do desejo, 2023 – Hoa
Crislaine Tavares, Os dias ao longo do desejo, 2023

A artista visual de Vargem Grande, Rio de Janeiro, nutre suas criações com memórias do seu lugar de origem e busca materializar, principalmente por meio do desenho, bordado e pintura, composições plásticas que rompam com imposições externas que a atravessam enquanto mulher negra.

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