Artista Aposta: Augusto Leal

Artista natural de Simões Filho faz da brincadeira um disparador de reflexões sobre estruturas político-sociais

Tempo de leitura estimado: 4 minutos
Augusto Leal
Retrato de Augusto Leal

Como alguém sente falta de algo que nunca teve? Augusto Leal nasceu e vive até hoje em Simões Filho, uma cidade baiana que não possui nenhum museu, teatro, centro cultural ou universidade. Mas, ao contrário do que possa parecer, a cidade não é tão pequena, ela abriga mais de 130 mil habitantes e é considerada um dos mais fortes pólos industriais da Bahia, com cerca de 200 indústrias. 

Para Leal, a cidade é matéria e motor para seu trabalho. Aliás, pode-se dizer que antes de artista, ele é um ativista. Seu ofício, na verdade, é a transformação do meio onde ele está inserido. E a arte foi apenas uma eficiente ferramenta que ele encontrou para se comunicar com as massas. Por meio da subjetividade, ele ultrapassa barreiras como posição político-partidária, faixa etária e outros demarcadores sociais, abrindo margem para a principal pauta defendida por ele: possibilidades de acesso cultural

Inspirado pelos conceitos pedagógicos Freireanos, Leal entende os recursos e bagagens de seu público-alvo, por isso busca utilizar elementos e referências quase que universais para se comunicar com essas pessoas. Ele se apropria, por exemplo, da palavra como elemento estético, assim qualquer pessoa que possa ler, pode também acessar o trabalho. Um destes casos é a série Lampejo, na qual o artista espalha em espaços urbanos a frase “Como (des)pensar a cidade?” – citação à filósofa e artista visual Denise Ferreira da Silva, que traz o questionamento “como (des)pensar o mundo?” em seu livro A Dívida Impagável. Em uma das intervenções, o artista a incluiu num mural feito em colaboração com um coletivo. Mas a pergunta, que parece inofensiva, foi apagada digitalmente na foto publicada pelo secretário de Cultura de Simões Filho no Instagram, ato que revela a potência provocativa da proposição de Leal.

Augusto Leal na Mostra 3M
O Jogo! (2022) de Augusto Leal na Mostra 3M. Foto: Karina Bacci

Em O jogo!, um de seus trabalhos mais conhecidos atualmente, o artista refere-se ao futebol como símbolo de um país moldado sob o mito da meritocracia como justificativa para opressões sobre pessoas negras. A instalação consiste em 36 traves de gol, cujas cores aludem à diferentes tons de pele. Estas são dispostas em círculo, de maneira que as maiores, que possuem tons mais claros, estão mais próximas do centro onde se encontram os jogadores, enquanto as menores e de tons mais retintos, ficam mais distantes e, consequentemente, mais inacessíveis para marcar pontos.

Já em Gangorra, o artista traz o tradicional brinquedo para o contexto artístico com a palavra “poder” estampada em seu centro. Mas Leal subverte nossas concepções de autoridade quando altera o funcionamento do objeto, fazendo-o girar ao invés de subir e descer. Percebendo que as estruturas de poder que conhecemos são, em geral, verticalizadas, a obra nos convida a imaginar possibilidades de empoderamento horizontal e distante das disputas individuais. O artista ainda observa que muitas vezes em que o trabalho é exposto dentro de alguns equipamentos culturais, os visitantes se questionam se a interação com o trabalho é permitida, o que reflete também sobre as relações de poder das instituições para conosco.

Simões Filho está entre as cidades com maiores índices de violência do Brasil – talvez como próprio reflexo da carência de investimentos em educação e cultura. Nesse contexto, as brincadeiras propostas pelo artista aparecem como agentes de politização das massas e parecem estar ganhando bastante popularidade. Apenas no ano passado, um ano de virada na carreira do artista, Leal pôde levar suas obras para diversas instituições relevantes da capital paulista, como: CCSP, Parque do Ibirapuera, Oficina Cultural Oswald de Andrade e Museu das Favelas. Diante dos frutos colhidos, o artista considera importante se afirmar como uma referência de Simões Filho distante dos estereótipos de violência.

Talvez a resposta para a pergunta que abre esse texto esteja em trabalhos como Sinalização Profética e Anunciação. No primeiro, o artista espalha placas de trânsito nas ruas de Simões Filho indicando a direção de instituições que não existem na cidade. No segundo, o artista hackeia o mecanismo da cultura de fake news e espalha, em diversos grupos de Whatsapp da sua cidade, imagens falsas de projetos de restauração do único centro cultural que existia no município e que encontra-se fechado desde 2014. Em ambos os casos, o artista criou o desejo e ativou os imaginários da população para sentirem a ausência daquilo que muitos deles nunca experienciaram.

Sinalização Profética, 2021, Augusto Leal

Fique de olho: se você é de São Paulo ou estará na cidade nos próximos meses, poderá conferir os trabalhos de Augusto Leal na Oficina Cultural Alfredo Volpi e depois, no meio do ano, O jogo! e uma obra comissionada vão para o Sesc Belenzinho, na exposição Dos Brasis.

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