Entre as ranhuras da individual de João Trevisan

Quantas e quais são as possibilidades de um corpo? Essa é uma das perguntas que rondam o artista João Trevisan em seu processo de criação. Nascido em Brasília, onde cresceu próximo a uma linha férrea, escutando o trem se mover nos trilhos, tem para si o movimento como algo que está presente com muito afinco em suas investigações e práticas artísticas. Um conjunto de obras que trazem esse pensamento em sua essência está na individual Das noites uma livre sensação, que o artista apresenta na Central Galeria. A mostra teve uma abertura no dia 4 de abril e pode ser visitada sem sair de casa, por meio de um projeto 3D. A iniciativa de montar um “viewing room” em 3D parte do movimento que a galerista Fernanda Resstom tem feito para que o público possa acessar a exposição sem sair de casa em tempos de pandemia. 

Vista da exposição de na Central Galeria.

No centro do espaço expositivo está a instalação Desfechar para Espertar. O artista define a obra como um “corpo que se abre ao espaço”. São quatro peças de madeira articuladas com aparatos de ferro e sequenciadas que podem ser desdobradas em várias perspectivas. A série de trabalhos de Trevisan que possuem articulações geralmente está vinculados à performance, ele explica. Nesta instalação, o artista busca assemelhar as peças ao corpo humano, buscando proporções afins. A madeira utilizada também manifesta esse desejo, tendo nela tons heterogêneos que se aproximam de tons de pele variados. 

Além da relação de abrir e fechar, existem também as relações de sequência que esses objetos compartilham. São mais de uma dezena de formas que podem ser atribuídas a eles, mas o artista optou por usar apenas oito nessa montagem, as mais significantes. “Eu penso que o trabalho tem que ter uma força, mas também tem que ser bonito. Tem que ser agradável esteticamente, pelo menos para mim”.

Trevisan é um artista que escuta o que suas obras têm a dizer durante o seu processo criativo. Para ele, observar seus trabalhos e esperar que eles tenham algo a mais para falar é algo comum. “É uma coisa de empatia mesmo. De conhecer as necessidades, os limites, até qual movimento ele pode ser feito. É quase uma relação com outro ser humano”, ele explica.


Não são só as obras e João que mantém um diálogo, mas também as obras entre si. Suas pinturas têm uma relação direta com os objetos-corpos que ele cria. Elas funcionam como se fossem maquetes, projetos, para algo que ele possa vir a criar em maior escala depois, transcendendo as proporções e “ocupando o espaço, não apenas a visão”, como ele descreve. Esses trabalhos, posicionados nas paredes da galeria, possuem o seu próprio movimento, com texturas que absorvem o olhar e inclusive aludem a outros sentidos. Trevisan relata que elas têm uma ligação bem iminente com a sonoridade. “Eu fico pensando nessa cobertura da superfície, mas penso em criar uma situação que se assemelhe à ranhura da madeira”.

Essas telas têm tons sutis e estão muito conectadas à luminosidade. João desenvolve as camadas de tinta para depois desvelar o que está por baixo da última delas, interessado em como essa cor que surge receberá e refletirá a luz que vai incidir sobre ela. Para obter as ranhuras, as texturas, ele conta que desbasta tanto a tinta que acaba surgindo o que havia embaixo: “É quase um ato de encerar, de retirar algo para surgir. É como essa coisa da instalação que chega fechada, mas se abre em diversos movimentos e que, a partir daí, são construídas inúmeras imagens, inúmeras formas”. Esses trabalhos todos, em algum momento, se modificam para criar composições.

Um pouco de biografia

Após estudar Geografia e Direito, João decide seguir por uma carreira muito diferente das que havia imaginado durante suas graduações: decidiu ser artista. Durante os primeiros anos, o desenho foi muito presente em sua prática. Deste lugar, caminha para trabalhos com pequenas esculturas que lhe faziam sentido ainda junto ao pensamento do desenho. A partir daí, o interesse pela forma escultórica vai chamando cada vez mais a sua atenção, incentivando-o a criar objetos em maiores proporções.

O artista sempre morou perto de linhas férreas. Quando era menor, começou a fazer caminhadas com seus amigos pelos arredores de sua casa, tendo “uma vontade grande de desbravar os lugares por ali, de entender aquele espaço ou fugir para algum lugar”, como ele conta. Podia ser para lugar nenhum, ele completa, mas ele queria ir para algum lugar. Hoje, as caminhadas perto à ferrovia continuam, mesmo que não seja a mesma da infância. É por ali que ele coleta alguns dos objetos que usa para compor suas obras-corpos, como os dormentes de madeira e grandes parafusos.

Após um período de recuperação pós-acidente que sofreu no início de sua vida adulta, Trevisan entrou em contato com a filosofia budista. É daí também que surge seu interesse em investigar a matéria, o movimento, o peso, a articulação e o equilíbrio. Essa questão pessoal, levando em conta a superação do trauma tanto físico quanto psicológico, fez com que ele se interessasse em questionar os limites do corpo: “Foi o que observei saindo do desenho parar as estruturas bidimensionais, que depois se transformaram em tridimensionais. Depois, comecei a querer entender mais dessa coisa da escala, mas sempre buscando um corpo que eu pudesse dialogar, que eu pudesse trabalhar com ele”.

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