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Felipe Rezende na Leme

2 fevereiro, 2023 @ 10:00 11 março, 2023 @ 19:00

O buriti é uma planta da família das palmeiras cujas folhas se espalmam em longas ráfias e os frutos doces pipocam em cachos que despencam de longos caules. Onde se vê um buriti, haverá água, como uma espécie de indicador de um oásis, pois é no meio de alagadiços, pântanos, veredas que a longa palmeira se firma e desenvolve. O buriti é o símbolo de um lugar: o bioma do Cerrado, que se alastra por boa parte do centro do Brasil, incluindo a região Oeste da Bahia. É também dessa espécie de planta que muitas pessoas da agricultura familiar tiram o seu sustento com a venda para as mais distintas cadeias de produção do fruto, das folhas e do palmito provenientes do buriti. Em frente a um pé de buriti, uma mulher encara o espectador, ladeada por uma bacia cheia de frutos da planta. Ela leva consigo um vestido com cores celestes intercalado com pedaços de pele de onça. Do seu pescoço, pende uma espécie de lenço, jogado para a parte de trás das costas. A indumentária dela, em tons cerúleos, parece aludir a uma armadura. Sua posição corporal está verticalizada na mesma direção do buritizeiro – como se seus pés no chão se confundissem com a própria raiz da planta. Ao redor dela, são possíveis de serem vistos uma máquina utilizada em grandes colheitas de agricultura e um avião que expele veneno de seus tanques. No topo da tela, um Pokémon exala um gás tóxico e veste um chapéu de cowboy, muito difundido dentro da cultura do agronegócio brasileiro. Essa descrição é da pintura O último buritizeiro (2022), do artista Felipe Rezende. Esse mesmo título dá nome à exposição que o artista apresenta na Galeria Leme, e nos incita a pensar em um cenário em que as dinâmicas de sobrevivência e subsistência entram em um complexo conflito com as máquinas e o avanço desenfreado da destruição do ecossistema – em que a própria humanidade está inserida. A mulher que aparece na pintura é Domingas Guedes, conhecida na comunidade de Cacimbinha como Ozelina. Dona Ozelina, como muitas outras pessoas nessa região situada no oeste da Bahia, é descendente de povos indígenas e quilombolas que encontraram nessa geografia um lugar abundante em água e outros recursos naturais escondidos por um isolamento geográfico propiciado pelo cerrado. Essa é uma área, que recentemente vem sofrendo uma série de ameaças por parte de empresas privadas e pelo agronegócio, cujas atividades também tem contribuído com o envenenamento do solo e da água. A pintura de Rezende citada anteriormente, nesse sentido, traz a natureza e as pessoas da terra para o centro, acuadas por uma sorte de ameaças – numa analogia espacial do que tem acontecido nessa região do Brasil. Longe de um caráter puramente denuncista, entretanto, o artista compõe essa narrativa se valendo de um rigor pictórico e de uma vivacidade visual muito particular. Não só pelo uso apurado da tinta óleo e suas propriedades, mas também justapondo figuras de diferentes tradições e pontos de partida, como a inserção da cultura do anime e também recorrendo à poética do retrato de corpo inteiro – linguagem que se sacralizou no interior da arte ocidental como uma forma de representar personalidades importantes dentro de um contexto social específico. Nesse sentido, o ponto de virada trazido pelo artista é conjugar por meio de uma inteligência visual própria elementos que vão colaborar na incubação de um repertório imagético quase delirante que serve como ferramentas para a construção de uma diegese pautada pelas lutas sociais e de classe.

Galeria Leme

130 Av. Valdemar Ferreira Butantã
São Paulo, São Paulo Brasil
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