É possível eternizar as sensações de determinado período de nossas vidas? Como imprimir materialidade à memória preservando a fugacidade com a qual experimentamos certos momentos ou sentimentos?
O tema da memória e seus rastros é o fio condutor da mostra Pelas Frestas: Ana Vitória Mussi, Márcia Xavier e Maria Laet, que ocupa as salas da Galeria Marília Razuk até o dia 12 desse mês. A exposição une artistas de três gerações que interpretam
As obras de Ana Vitória Mussi que compõem a exposição trazem lembranças de seu período como repórter fotográfica da vida noturna carioca, mas o tema não tem papel central nas composições. A referência é somente tangencial, na medida em que a artista opta por expor os papeis e embalagens que contiveram os negativos dos filmes utilizados entre 1979 e 1989, quando as fotos foram tiradas. Assim, em Pelas Frestas, da Série Negativos, os porta-negativos em papel são dispostos de forma a compor um mural, e, embora alguns negativos estejam dispostos espaçadamente, seus conteúdos ficam encobertos pelo invólucro que não deixa transparecer qualquer imagem. Por sua vez, na obra “Índice #2”, se vêem somente embalagens plásticas enumeradas, que poderiam estar em uma gaveta cujo conteúdo não tem mais utilidade prática, mas do qual não nos desfazemos por evocarem memórias afetivas.
![Índice #2. Ana Vitória Mussi, 1978.](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2022/02/px9rreg9brhhdairl6ig-1024x878.jpg)
Em Bolômetro (2009), de Márcia Xavier, vemos um painel de acrílico que contém uma foto da vista aérea de São Paulo, tirada pelo pai da artista quando era piloto. A imagem, no entanto, é somente parcial – os recortes que dão à impressão a forma de um bolômetro ou gabarito ocultam parte considerável da foto. As lacunas serão preenchidas pelo observador como quem preenche as falhas das próprias lembranças com suposições e conjecturas, variando a depender de quem está realizando esse trabalho de complementação.
![Bolômetro. Márcia Xavier, 2006.](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2022/02/bolometro.jpg)
As obras de Maria Laet também deixam entrever a diferença entre as coisas como “são” e as marcas que deixam em sua série “Dobra” (2015/2018), monotipias sobre papel de algodão e papel japonês. Na série, a artista realiza a monotipia com um papel dobrado colocado sobre uma folha aberta, compondo a dupla ao desdobrar o primeiro e posicioná-lo ao lado do segundo. O resultado é um jogo de sombras e luz em escala de cinza, em que uma imagem compacta tem uma espécie de negativo expandido como seu duplo.
![Sem Título (Gaze). Maria Laet, 2013.](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2022/02/gaze.jpg)
O conjunto das obras das artistas traz a delicadeza que é inerente ao tecido da memória, deixando espaço para que o visitante complemente a experiência com seu próprio olhar e suas lembranças.