Exposição Pelas Frestas esgarça o tecido da lembrança

Galeria Marilia Razuk mostra a volatilidade da memória com obras de Ana Vitória Mussi, Maria Laet e Márcia Xavier

É possível eternizar as sensações de determinado período de nossas vidas? Como imprimir materialidade à memória preservando a fugacidade com a qual experimentamos certos momentos ou sentimentos?

O tema da memória e seus rastros é o fio condutor da mostra Pelas Frestas: Ana Vitória Mussi, Márcia Xavier e Maria Laet, que ocupa as salas da Galeria Marília Razuk até o dia 12 desse mês. A exposição une artistas de três gerações que interpretam 

As obras de Ana Vitória Mussi que compõem a exposição trazem lembranças de seu período como repórter fotográfica da vida noturna carioca, mas o tema não tem papel central nas composições. A referência é somente tangencial, na medida em que a artista opta por expor os papeis e embalagens que contiveram os negativos dos filmes utilizados entre 1979 e 1989, quando as fotos foram tiradas. Assim, em Pelas Frestas, da Série Negativos, os porta-negativos em papel são dispostos de forma a compor um mural, e, embora alguns negativos estejam dispostos espaçadamente, seus conteúdos ficam encobertos pelo invólucro que não deixa transparecer qualquer imagem. Por sua vez, na obra “Índice #2”, se vêem somente embalagens plásticas enumeradas, que poderiam estar em uma gaveta cujo conteúdo não tem mais utilidade prática, mas do qual não nos desfazemos por evocarem memórias afetivas.

Índice #2. Ana Vitória Mussi, 1978.
Índice #2. Ana Vitória Mussi, 1978.

Em Bolômetro (2009), de Márcia Xavier, vemos um painel de acrílico que contém uma foto da vista aérea de São Paulo, tirada pelo pai da artista quando era piloto. A imagem, no entanto, é somente parcial – os recortes que dão à impressão a forma de um bolômetro ou gabarito ocultam parte considerável da foto. As lacunas serão preenchidas pelo observador como quem preenche as falhas das próprias lembranças com suposições e conjecturas, variando a depender de quem está realizando esse trabalho de complementação.

Bolômetro. Márcia Xavier, 2006.
Bolômetro. Márcia Xavier, 2006.

As obras de Maria Laet também deixam entrever a diferença entre as coisas como “são” e as marcas que deixam em sua série “Dobra” (2015/2018), monotipias sobre papel de algodão e papel japonês. Na série, a artista realiza a monotipia com um papel dobrado colocado sobre uma folha aberta, compondo a dupla ao desdobrar o primeiro e posicioná-lo ao lado do segundo. O resultado é um jogo de sombras e luz em escala de cinza, em que uma imagem compacta tem uma espécie de negativo expandido como seu duplo.

Sem Título (Gaze). Maria Laet, 2013.
Sem Título (Gaze). Maria Laet, 2013.

O conjunto das obras das artistas traz a delicadeza que é inerente ao tecido da memória, deixando espaço para que o visitante complemente a experiência com seu próprio olhar e suas lembranças.

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