Gustave Courbet: entre pinceladas e escândalos

O pintor francês foi pioneiro do estilo Realismo e um dos precursores de uma arte política

Gustave Courbet
Gustave Courbet

Hoje as pinturas de Gustave Courbet são expostas nos maiores museus do mundo e seu trabalho é estudado nas salas de aula como obras-chave do estilo chamado Realismo – um pontapé importante para o nascimento das vanguardas modernas e a arte política. Mas nem sempre foi assim.Na época, as telas de Courbet eram provocações ( e parece que sociedade gostava de se irritar, pois esperavam ansiosamente pela próxima tela!).  Courbet foi, acima de tudo, um pintor que se preocupava em registrar a vida cotidiana camponesa de sua região. E, convicto de seus ideais socialistas, ele não evitava representar a pobreza na sociedade contemporânea. Nesse processo, eles procurava encontrar uma fusão entre arte e vida e entre  política e arte. 

Gustave Courbet nasceu 10 de junho de 1819. Aos doze anos ele começou a estudar desenho mas aos 20 anos mudou-se para Paris para estudar direito. Nesse período frequentava as aulas do estúdio do pintor Charles Steuben e visitou o Louvre com frequência para estudar os mestres do chiaroscuro holandês e os pintores da escola de espanhola do século XVII, como Diego Velázquez, Francisco de Zurbarán e José de Ribera. 

Em meados da década de 1840 passa a frequentar a efervescente noite parisiense e a se relacionar com outros artistas que procuravam uma alternativa ao modelo romântico. Entre eles estava Charles Baudelaire – fundador da poesia moderna ele fazia ácidas críticas à burguesia e às mudanças radicais provocadas pela metrópole. 

Até então as pinturas consagradas retratavam apenas cenas bíblicas, heróis históricos e personagens da mitologia. Em 1848 dez pinturas suas foram escolhidas para participar do Salão de Paris. A partir daí Courbet passa a ser mais notado, especialmente por por preferir retratar pessoas anônimas e simples. Desde então, ele criou muitas cenas controversas e grande parte delas despertam discussões sobre temas tabus até hoje. “Desde 1848, M. Courbet tem o privilégio de surpreender a multidão. E todos os anos esperamos novas surpresas e, até agora, o pintor responde às expectativas de seus amigos, assim como às de seus inimigos.”, escreveu o crítico Champfleury em 1855. 

Para você entender melhor, confira a lista abaixo:  

Enterro em Ornans, 1849–50
Enterro em Ornans, 1849–50

Enterro em Ornans, 1849–50

No ano em que Courbet começou a trabalhar nessa pintura, sua carreira estava em ascensão. Então ele mostrou essa pintura de 22 pés de comprimento em Paris, e foi bastante criticado. Um crítico da [época escreveu ironicamente que a pintura era um exemplo do “culto ao feio”. 

Esse era, no entanto, o objetivo de Courbet: ele queria pintar algo real e sem envernizamento; e, por isso, sugeriu essa cena, uma pintura histórica para os tempos modernos, inspirado pelas pinturas de grupos holandeses anteriores. Nesta tela, ele apresenta  uma visão sombria e nada glamourosa de um funeral em uma cidade rural francesa, dando atenção específica aos indivíduos de classe baixa (os participantes do funeral na vida real serviram de modelo). A composição da pintura, com seu buraco aberto no centro, é intencionalmente desequilibrada, e as representações das pessoas nela não são idealizadas da maneira que os personagens das pinturas históricas tendem a ser. Hoje esta pintura está no Museu d’Orsay e é considerada uma das melhores obras de Courbet.

O encontro, 1854
O encontro, 1854

O encontro, 1854

Esta pintura, apresentando Courbet na reunião com um cliente no interior da França, parece simples à primeira vista – mas acabou arruinando uma das amizades mais íntimas que o artista tinha na época. O cliente em questão é Alfred Bruyas, que cedo se tornou um dos colecionadores mais importantes de Courbet. 

Para comemorar sua amizade, Courbet criou esta obra, que apresenta o artista à direita, com Bruyas no centro e seu servo Calas à esquerda. Courbet, na forma típica, se apresentava como trabalhador, com uma mochila e uma bengala sugerindo uma longa jornada que levava a esse encontro casual. De fato, dizem os historiadores que o local do encontro era inóspito e que Courbet usou um sistema ferroviário recém-inaugurado para chegar lá – uma pequena aventura, digamos.

Naquele período os críticos haviam acusado Courbet de narcisismo e parece que o artista fez pouco para dissuadi-los disso. Quando foi exibida em Paris na Exposition Universelle, que atraiu mais de 5 milhões de visitantes, a pintura foi descrita/parodiada como uma “lição de educação dada por M. Courbet a dois burgueses”. Bruyas, sentindo-se atormentado com a repercussão da pintura, tentou responder com uma declaração, mas ignorado. Ele não exibiu a pintura publicamente novamente até 1868, quando a doou ao Musée Fabre, em Montpellier, que tem a obra até hoje em seu acervo. 

Mais tarde alguns artistas consideraram as brigas envolvendo o O encontro um exemplo valioso da sensibilidade anti-mercado da Courbet. Essa pintura é considerada, para muitos historiadores, uma das primeiras obras realistas e também o início da fascinante história da arte política. 

O Ateliê do Pintor, 1855
O Ateliê do Pintor, 1855

O Ateliê do Pintor, 1855

Também pertencente ao acervo do Museu de Orsay, em Paris, essa pintura tem quase seis metros de largura e é uma das pinturas mais ambiciosas do artista. A escala é de pintura histórica e isso indica que muito provavelmente ele queria que ela fosse para um grande museu. No entanto, como muitas de suas pintura, ela não foi bem recebida em sua época: não foi aceita na Exposition Universelle e  não foi exibida em nenhuma instituição até a década de 1910. Foi, entretanto, apresentada no Pavillon du Réalisme, em uma espécie de anti-Exposition Universelle. 

O críticos sempre se perguntaram (até hoje) o que exatamente essa pintura significa. É possível presumir que o trabalho mostre o ateliê de Courbet, com as figuras ao seu redor atuando como substitutas de ideias maiores: Hélène Toussaint, Linda Nochlin e outros

importantes historiadores da arte já derramaram muita tinta tentando analisar e identificar cada um deles. Mas, geralmente, presume-se que seja uma afirmação sobre a fusão entre arte e vida – que assumiu uma dimensão política para Courbet, que se colocou no centro de sua composição e foi chamado de egoísta por isso.

A origem do mundo, 1866
A origem do mundo, 1866

A origem do mundo 1866

Uma visão em close da região pélvica de uma mulher, A Origem do Mundo gera  mais discussão hoje, mas nem sempre foi assim. Ela foi de propriedade de um diplomata turco-egípcio que convidou amigos íntimos para vê-la e passou pelas mãos de vários proprietários ao longo do tempo, incluindo o psicanalista francês Jacques Lacan. Parte do motivo pelo qual a obra não gerou muita controvérsia quando foi pintada foi pelo fato dela simplesmente não ter sido mostrada publicamente até 1988, quando os historiadores de arte Sarah Faunce e Linda Nochlin convenceram os diretores do Brooklyn Museum de Nova York a exibi-la! Naquele ano, John Russell, crítico do New York Times, escreveu: Até hoje, sua representação precisa e magistral da genitália feminina manteve seu poder de assustar”.

Os estudiosos notaram que a pintura, apesar de sua natureza aparentemente sexual, pode não tem intenção de ser erótica. Linda Nochlin chamou de “pornografia”, mas alardeava seu valor artístico, observando que Courbet agia como uma precisão “adequada ao realismo por causa do olhar frio e inabalável”. Mas tanto a ousadia da pose da modelo quanto o nome da obra já inspiraram muitos artistas e versões de “a origem do mundo” aparecem de tempos em tempos na História da Arte: Em sua última obra, Étant donnés, Marcel Duchamp representou a artista e amante Maria Martins na mesma posição da modelo de Courbet e o brasileiro Henrique Oliveira, por exemplo, ampliou as possibilidades da obra ao fazer um túnel de pedaços de tapume de obra – a origem do mundo – por onde o público da Bienal de São Paulo poderia passar.  Enquanto isso, as artistas feministas vêem a pintura como um exemplo de objetivação de mulheres por meio do olhar masculino branco. O que Gustave Courbet queria afirmar quando pintou essa tela? Os mistérios criados por e em torno de Gustave Courbet seguem tão eficientes quanto suas pinceladas. 

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