Hélio Menezes fala sobre os ensinamentos e conquistas de 2020

Apesar das dificuldades regulares e estendidas, o curador orgulha-se de projetos potentes que conseguiu viabilizar e se prepara para muitas outras realizações em 2021

Tempo de leitura estimado: 4 minutos
Vozes contra o racismo
Vozes contra o racismo

O baiano Hélio Menezes é antropólogo e atua como curador, crítico e pesquisador. Graduado em Relações Internacionais e em Ciências Sociais, ele é mestre e doutorando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, e Affiliated Scholar do BrazilLab, da Universidade de Princeton. Atualmente, é curador de Arte Contemporânea do Centro Cultural São Paulo, participando de uma transformação exemplar do espaço. Este ano ele foi responsável pela coletiva Vozes contra o Racismo e também pelo projeto de exposições individuais do CCSP. Também curou a mostra The discovery of what it means to be Brazilian, na Mariane Ibrahim Gallery, em Chicago.  Confira Helio atravessou ( no melhor sentido da palavra) 2020 :

Helio Menezes
Helio Menezes

1.Qual foi o seu maior desafio e conquista em 2020?

Nesse ano absolutamente incomum, realizar a curadoria da mostra Vozes contra o racismo foi certamente um desafio de proporções hiperbólicas. A exposição exigiu uma articulação tremenda (e inédita) com órgãos de fiscalização, negociações com a Prefeitura, diálogos com gestores da cultura, diretores de CEUs e outros aparelhos públicos (transformados em democráticas galerias a céu aberto), para levar às ruas de São Paulo obras de 31 artistas, entre grafites, vídeos, fotografias e instalações, espalhadas por 40 localidades, especialmente nas quebradas. Entre trabalhos selecionados e comissionados, maiormente de artistas negra/os, indígenas e não-sudestina/os, a mostra buscou jogar luz sobre questões de pertencimento, identidade, afetividades e novas imaginações de vida em sociedade, num período marcado por enfermidades de toda ordem – as do conservadorismo político e estético ainda maiores que as do corpo físico.

Já uma conquista marcante em 2020 foi, indubitavelmente, a realização da mostra The Discovery of what it means to be Brazilian, na Mariane Ibrahim Gallery (Chicago, EUA). Esta exposição, minha primeira experiência de curadoria internacional, reuniu trabalhos de Aline Motta, Eder Oliveira, Jaime Lauriano, No Martins e Tiago Sant’Anna, propondo uma reflexão entre (des)entendimentos de brasilidade, outros fundamentos e novos caminhos da produção contemporânea no país, inspirada no famoso ensaio (ligeiramente) homônimo de James Baldwin. Outra conquista que fez par a The Discovery foi a realização da Mostra 2020 do Centro Cultural São Paulo, que neste ano chegou à sua 30ª edição. A mostra reúne, simultaneamente, exposições individuais de 14 artistas selecionados por edital – público, sublinhe-se -, e de mais 4 artistas convidados. Pela primeira vez, a Mostra do CCSP foi composta por uma maioria expressiva de artistas e críticos não-brancos e de origens geográficas e sociais plurais; sinal inequívoco dos novos tempos que os ventos vêm soprando no cenário contemporâneo, apesar e contra o contexto de desinvestimento e sucateamento da cultura em que vivemos.

Ventura Profana
Ventura Profana

2. Quais serão, na sua opinião, as maiores mudanças no meio de arte depois desse ano atípico?

As maiores mudanças vieram na ampliação, ainda tímida mas pujante, da voz e atuação de curadores, pensadores e gestores negra/os, indígenas, não-herdeiros e com perspectivas anticoloniais nos meios da arte, especialmente em postos de decisão antes exclusivamente ocupados por uma seleta elite branca e, em grande medida, estrangeira. Seja no presencial ou no online, 2020 foi um ano em que o protagonismo de uma nova geração crítica e antidisciplinar se tornou incontornável, trazendo renovação e oxigênio a um cenário artístico que vinha notoriamente caindo numa monotonia monocromática e um tanto descafeinada.

Edér Oliveira
Trabalho de Edér Oliveira selecionado para a exposição “The discovery of what it means to be Brazilian”

3. O que não mudou…mas deveria?

A centralização no Sudeste de recursos e oportunidades destinados à arte e cultura, eclipsando iniciativas (da maior importância e qualidade, mas infelizmente marginalizadas, quando não assimiladas sob a alcunha perversa de exotismo ou da “cor local”), é uma desigualdade que persiste em não mudar. Mas deveria. E pra já.

3. Qual imagem, texto ou frase mais te marcou esse ano?

 “I can’t breathe”

4.Quais são os seus principais planos para 2021?

Três grandes projetos me aguardam em 2021, para os quais venho me programando e investindo energia desde já: a exposição Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros (IMS Paulista, jun-nov. 2021), que tenho a alegria de co-curar com a brilhante Raquel Barreto; a realização de uma residência curatorial na França e Alemanha, promovida pelo Goethe Institut; e a publicação de meu livro sobre as construções do conceito de arte afro-brasileira, uma revisão ampliada e atualizada das pesquisas que venho realizando ao longo do mestrado e doutorado. Ciente que depois da tormenta sempre vem o vendaval, me sinto preparado para o ano que virá – que Iansã, senhora dos raios e das tempestades, nos guarde e guie.

Tiago Sant’Ana
Trabalho de Tiago Sant’Ana selecionado para a exposição “The discovery of what it means to be Brazilian”
Vozes contra o Racismo
Vozes contra o Racismo
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support