Londres x Paris,  uma disputa pelo mercado artsy

Nathalie Felsberg, braço comercial do ARTEQUEACONTECE, que esteve na Frieze London e Paris+ par Art Basel e compartilhou suas observações

Tempo de leitura estimado: 8 minutos

Frieze London

Como já comentamos aqui, o mercado de arte europeu passa por um processo de mudanças.  Com a compra da FIAC pela Art Basel e as complicações econômicas e burocráticas causadas pelo Brexit, o mercado tem expressado uma vontade de mudar a “capital da arte” de Londres para Paris.

Entre os dias 11 e 15 de outubro, galeristas e colecionadores pousaram na capital Inglesa para conferir as obras das feiras Frieze London [onde é possível comprar somente de arte contemporânea] e Frieze Masters [ que oferece old masters, antiguidades e arte moderna]. Na semana seguinte, a partir do dia 18 de outubro, o centro das atenções se voltou para Paris, onde aconteceu a segunda edição da Paris+ par Art Basel, noGrand Palais Éphémère. 

Em tempo: o Grand Palais ainda está reformando, mas ele deve ser reinaugurado durante as Olimpíadas e a feira promete ocupar o prédio em 2024 com um número maior de galerias.  

O mercado em geral está menos aquecido depois do boom da pandemia do COVID 19, mas os resultados ainda estão animadores. Em Londres, um Robert Motherwell foi vendido por 3.2 milhões de dólares, enquanto uma Tracey Emin foi comprada por 1.5 milhões e um Georg Baselitz por 1.3 milhões. Em Paris, uma pintura do Kerry James Marshall saiu por 6 milhões de dólares; George Condo por 2.35 milhões; e, um Robert Rauschenberg por 2 milhões. 

Tracey Emin liderou as vendas de Londres
Female Portrait Composition George Condo

Mas, apesar dos números serem mais significativos em Paris, a Inglaterra ainda é o segundo maior mercado de arte no mundo, depois dos Estados Unidos, representando 18% do mercado global; enquanto a França é considerada o quarto maior mercado mundial com apenas 6% de participação, perdendo para a China que está em terceiro lugar. 

“Com certeza o clima era Pro-Paris esse ano, com muitos colecionadores e galeristas desistindo de participar na tradicional Frieze London/Frieze Masters e guardando suas melhores fichas para o segundo ano da Paris+. Algumas galerias saíram da feira de Londres para abrir novos espaços na capital francesa, enquanto duas feiras tradicionais da cidade, Masterpiece e Olympia, feira de arte e antiguidades, cancelaram devido ao Brexit. Mas eu não descartaria Londres tão rápido da equação”, ressalta  a art advisor Nathalie Felsberg, responsável pelo braço comercial do ARTEQUEACONTECE, que esteve nas duas feiras e compartilhou suas observações. 

É importante ressaltar, aqui, que a instabilidade política e econômica mundial também tem afetado o mercado de arte e, consequentemente, os resultados das feiras na Europa que vive um momento de tensão marcado pela Guerra na Ucrânia e na faixa de Gaza; pelos terremotos, incêndios e inundações devido ao aquecimento global; pela nova onda do Covid na região;  pelas taxas de juro elevadas; e pelo discurso político cada vez mais polarizado. O resultado não aparece apenas nos números, mas também no tipo de obra comercializada: em tempos de instabilidade o colecionador se sente mais seguro em apostar em técnicas tradicionais – por isso ambas as feiras apresentaram uma quantidade impressionante de pinturas e esculturas, apontando para um momento de pouco investimento em fotografia, vídeo, performance e linguagens digitais em geral. 

LONDRES – Frieze London/Frieze Masters 

Somente durante a semana da Frieze, diversas galerias abriram espaços gigantes ou expandiram suas galerias. A Cork Street ganhou novos espaços importantes: Alison Jacques, Stephen Friedman e Tiwani Contemporary abriam novas galerias na região. Já Pilar Corrias preferiu abrir sua flagship em Mayfair. Há, ainda, uma nova geração de galerias jovens também escolheram a capital Britânica para trabalhar com seus artistas: Sherbet Green e Guts Gallery abriram em east London; enquanto Angélica Jopling, filha do fundador da White Cube, Jay Joplin, abriu sua galeria em Marylebone em Abril. The Artist Room, fundado em 2021,  recebeu visitantes em seu recém inaugurado espaço de dois andares na Great Chapel Street no Soho. 

Philip Guston, na Tate Modern

Institucionalmente, Londres não deixou nada a desejar. A turma artsy percorreu por várias aberturas nos maiores museus e instituições da cidade, incluindo a tão aguardada retrospectiva do Philip Guston no Tate Modern, com direito a uma poderosa instalação de El Anatsui, intitulada “Behind the Red Moon”, na Turbine Hall. Outros highlights institucionais incluíram uma retrospectiva de Marina Abramovic, no Royal Academy of Arts ( a primeira artista mulher a ganhar uma individual no museu!); Georg Baselitz, na Serpentine; e, Nicole Eisenman, na WhiteChapel. 

Nicole Eisenman, na WhiteChapel

Apesar dos conflitos mundiais, as feiras Frieze London e Frieze Masters estavam abarrotadas no opening day. “Mas o feeling geral era que as galerias não estavam trazendo suas obras-primas e artistas, pois queriam guardar suas melhores fichas para a feira de Paris que prometia atrair mais colecionadores e entusiastas do mundo inteiro. Porém, os resultados reportados mostram uma estabilidade nas vendas. Algumas pessoas atribuem isso ao influxo de galeristas e colecionadores asiáticos que escolhem Londres pela facilidade do inglês e a nova feira Frieze em Seoul, na Coreia”, pontua Felsberg. 

E vamos aos números de Londres? Entre as obras mais caras vendidas na feira, estão: 

  • Pintura Hollow Men No. VI (1988/ca.1990), do Robert Motherwell, na Kasmin Gallery, por $3.2 milhões 
  • Escultura Model for Celebration II (1976), da Louise Nevelson, na Pace Gallery, por $2 milhões 
  • Escultura do El Anatsui , na Goodman Gallery, por  $1.9 milhões
  • Pintura Whoever has no house now, will never have one (for R. M. Rilke) (2022) , do Anselm Kiefer, na White Cube, por  $1.17 milhões 
  • Pintura I Kept Moving (2022), da Tracey Emin, na White Cube, por  $1.5 milhões

Robert Motherwel
El Anatsui
Anselm Kiefer

Com a sensação de dever cumprido, no domingo, dia 15 de outubro, todos desembarcaram em Paris com o objetivo de conferir não somente a feira Paris+ par Art Basel, mas também as exposições comerciais e institucionais que prometiam fazer Paris, de fato, ferver! 

PARIS – Paris+ par Art Basel  

A chegada da Art Basel, uma das maiores brands de feira de arte do mundo, na cidade da luz marca, sem dúvidas, o início de uma nova era artística para Paris e faz com que a cidade resgate um frisson artsy que pouco a pouco deixou de existir após a Segunda Guerra Mundial. Vale lembrar que no fim do século XIX e primeira metade do século XX, Paris reinava de forma absoluta no cenário artístico mundial sendo o centro das inovações e da experimentação da arte de vanguarda. Após a Segunda Guerra este “polo” foi transferido para Nova York, nos Estados Unidos, deixando Paris com uma herança cultural mais ligada a “algo que já passou”. E quem acabou assumindo um posto econômico potente na Europa foi a Inglaterra. Com as Olimpíadas chegando na França, o próprio Emmanuel Macron chegou a anunciar que não está medindo esforços para colocar o país de novo no centro do mundo!

Paris+ par Art Basel
Sarah Lucas

Ano passado aconteceu, então,  a primeira Paris+ par Art Basel, no Grand Palais Éphémère, onde já acontecia a FIAC, e o clima era festivo. E neste ano não foi diferente. As galerias levaram o crème de la crème de seus times: a Pace Gallery fez um espaço somente com obras em diálogo com um Mark Rothko de 40 milhões – pense em Lynda Benglis, Robert Longo, Agnes Martin e Torkwase Dyson.

Valores exorbitantes à parte, a qualidade dos booths em geral foi notável: a Marian Goodman apresentou obras de Christian Boltanski, Anri Sala, Gabriel Orozco, Giuseppe Penone, Marcel Broodthaers, William Kentridge e Tavares Strachan; a White Cube mostrou uma pintura de Leonor Fini ao lado de peças de Danh Vo, Doris Salcedo, Tracey Emin, Julie Mehretu, On Kawara e Jannis Kounellis. A Gladstone Gallery também chamou atenção com obras de Sarah Lucas e Rirkrit Tiravanija;e, a Hauser & Wirth com um Geroge Condo, vendido por 2.35 milhões de dólares. A francesa Mennour chamou atenção com obras de Camille Henrot, vendida entre $316,441 e $421,922, enquanto a Gagosian apresentava uma nova e brilhante série de pinturas de  Penone que também apresentou uma nova e brilhante série de pinturas na Gagosian ao lado de belíssimas esculturas de Carol Bove! Também valeu parar na galeria belga Xavier Hufkens que apresentava uma Louise Bourgeois em diálogo com Cecilia Vicuña e Tracey Emin. A Luhring Augustine levou uma tela impressionante de Salman Toor; e, a Galerie Eva Presenhuber apresentou telas de Tschabalala Self. 

Tschabalala Self

E o movimento das galerias e museus pela cidade confirma um esforço geral para elevar novamente o espirito artsy da cidade:  um dos destaques da semana de arte parisiense foi a abertura de mais um espaço da poderosa Hauser & Wirth, em Paris, ocupando uma mansão neoclássica datada de 1877, situada na margem direita do rio Sena, perto da Champs-Élysées, no 8º arrondissement. Para abertura, a galeria selecionou pinturas e esculturas do californiano Henry Taylor que acaba de abrir uma importante individual no Whitney Museum of American Art. Outro destaque foi a brasileira Mendes Wood DM que, depois de Bruxelas, inaugurou um novo pied-à-terre na Europa: a galeria na lendária Place des Vosges, no Marais, ocupa uma edificação do século 16 e abriu as portas com a coletiva I See No Difference Between a Handshake and a Poem, curada por Fernanda Brenner.  Vale destacar, ainda, as individuais de Mamma Anderson, na David Zwirner, e Lisa Brice, na Thaddaeus Ropac. 

Peter Doig, no Musée d'Orsay
Mark Rothko, na Fondation Louis Vuitton

Outras grandes exposições emblemáticas se espalharam pela cidade fazendo com que a experiência para além da feira fosse educativa e construtiva: Mark Rothko, na Fondation Louis Vuitton,  Vincent van Gogh e Peter Doig, no Musee D’Orsay; Mike Kelley, na Fondation Pinault; Sophie Calle, no Museu Picasso; Antony Gormley, no Musée Rodin; e, desenhos do Picasso, no Pompidou. 

Entre as obras mais caras vendidas na feira de Paris, estão: 

  • Pintura do Kerry James Marshall, na David Zwirner, por $6 milhões
  • Pintura Female Portrait Composition (2023), do George Condo,  na Hauser & Wirth, por $2.35 milhões
  • Pintura Untitled (1962), do Robert Rauschenberg, na Thaddaeus Ropac, por $2 milhões 
  • Pintura The Nature of Space (2023), do Mark Bradford,  na Hauser & Wirth por $1.8 milhões
  • Escultura Untitled (“The heart of a blue whale is the size of a car.”) (2021–22), do Roni Horn, na Hauser & Wirth, por $1.5 milhões
 Kerry James Marshall
Robert Rauschenberg Thaddaeus Ropac art basel
Mark Bradford

“Existiu um sentimento durante a semana que haviam mais colecionadores americanos em Paris que em Londres o que contribui para melhores resultados comerciais, pois o mercado Americano é o maior mundialmente”, ressalta Felsberg. “Os resultados foram consideravelmente melhores que os de Londres, liderado pela venda de 6 milhões do Kerry James Marshall, na David Zwirner. Mesmo assim, os resultados não foram comparáveis ao do ano passado. Ouvi de um galerista que ano passado foi excepcionalmente bom e de uma forma não sustentável, por isso não é uma surpresa e não é necessariamente ruim que as coisas tenham se acalmado esse ano. Uma observação importante é que Paris continua sendo uma cidade marcada pelo bom gosto e, de certa forma, por obras mais conservadoras, ao contrário de Londres que apresenta projetos ousados e de certa forma perigosos”, conclui.

Além da Paris+, a cidade recebeu outras quatro feiras internacionais durante o mesmo período: Paris Internazionale, Asia Now, AKAA Art & Design e a aguardada primeira edição da Design Miami/Paris.  

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support