O retorno à terra de Gustavo Caboco em busca de suas raizes

Filho de uma indígena wapichana que foi arrancada de sua terra ainda criança, o artista alia sua produção artística ao processo de se reconhecer como indígena

Tempo de leitura estimado: 3 minutos

Falar sobre arte pontuando a biografia do artista às vezes é só um nariz de cera para compor um texto. Mas existem artistas cujo trabalho não se separa da vida. É o caso de muitos artistas que possuem uma produção autobiográfica, mas também de artistas que a arte está impregnada de suas vivências, não necessariamente sendo um personagem, mas uma esponja que absorve aquilo que o cerca.

Gustavo Caboco é assim, sua história, que na verdade é a história de sua família no geral, é um ponto muito importante em sua vida. Ela começa com Lucilene, sua mãe, que nasceu na terra indígena Canauanim, em Roraima. Aos 10 anos de idade, em 1968, ela foi levada para trabalhar em uma casa na capital Boa Vista, depois em Manaus, sob o pretexto de que estaria sendo “adotada”.

O que era colocado como uma “adoção” era na verdade um rapto. Essa prática criminosa era muito comum durante a ditadura militar no Brasil e foi documentada pelo jornalista Eduardo Reina no livro Cativeiro sem fim. Lucilene acabou realmente adotada, tendo o que era um acolhimento familiar, apenas tempos depois por uma família de Curitiba, no Paraná, onde cresceu. Apenas em 2001, 33 anos depois de ter sido arrancada de sua terra, Lucilene voltou a Canauanim, levando consigo o filho que na época tinha 12 anos de idade, Gustavo. Apesar da pouca idade, a viagem foi crucial para que o desenrolar de sua vida, fazendo-o compreender muitas das coisas que a mãe narrava para ele desde cedo, histórias que vinham de longe.

Quando criança, a mãe o chamava de “caboclinho”, usando o diminutivo do termo que se refere à miscigenação de indígenas com brancos. O artista recebe esse termo como forma de localizar e atualizar uma percepção. Para ele, sempre houve um estímulo para localizar e entender a diferença entre o “ser caboclo” e o “ser wapichana”. Conforme foi crescendo, percebeu que grande parte das pessoas viam a palavra “caboclo” de forma negativa, pois ela anulava uma identidade de pertencimento. Pensar o nome “Gustavo Caboco Wapichana” foi inclusive uma forma que ele encontrou de pensar esses deslocamentos dos nomes.

Todo esse estranhamento que o artista teve à sua frente durante sua vida se liga à sua obra. Ele passou a utilizar o desenho, o bordado, o texto, a performance, as instalações e outras plataformas como forma de compreender e expressar a questão da identidade e também da preservação da memória, não apenas como uma lembrança, mas como uma prática. Em todo esse processo, a escuta é algo bastante importante para ele. No poema Ouve Wapichana, inclusive, ele demonstra bastante essa questão:

Pé no chão,
pé de ouvido.
Enterra, semente desperta.
Corpo é terra

Ouço a terra. Piso.
Ao alto da terra. Chão.
Morte na terra. Subterrâneo.
Retorno à terra. Caminho.

Gustavo é um dos artistas de origem indígena que têm despontado bastante na cena da arte contemporânea nacional nos últimos anos. Ele inclusive dialoga muito com artistas de outras etnias, seus parentes, como Jaider Esbell e Denilson Baniwa. Participou de exposições coletivas importantes como Vaivém, no Centro Cultural Banco do Brasil, e agora Vexoa, na Pinacoteca de São Paulo. É preciso estar atento também ao que será apresentado de sua produção na Bienal de São Paulo, que terá a exposição principal no dia 4 de setembro deste ano.





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