Como pais e filhos se inspiram profissionalmente no mundo artístico?

Convidamos diversos profissionais como Agnaldo Farias, Lenora de Barros, Max Perlingeiro, Marcello Dantas, entre outros, para conversarem sobre a relação entre trabalho e vida familiar

Marcello Dantas e Catarina Ducan
Retrato de Marcello Dantas e Catarina Ducan. Cortesia da família.

Filho de peixe, peixinho é? Ao longo de toda a história da arte temos vários exemplos de pintores que influenciaram a profissão da geração seguinte, como Camille e Lucien Pissarro, John e Edward Piper, Pieter Bruegel, o Velho e o Jovem, José Oiticica Filho e Hélio Oiticica, entre tantos outros. Essa história, evidentemente, se estende também para o contemporâneo e por isso, com a celebração do Dia dos Pais, convidamos diversos pais e filhos que são profissionais do circuito artístico para conversarem sobre trabalho e vida familiar.

Talvez você se pergunte:

Até que ponto essa semelhança foi uma mera coincidência?

Jones Bergamin, também conhecido como Peninha, é marchand, leiloeiro e pai de três filhos, incluindo a galerista Antonia Bergamin. Num primeiro momento, ao conversar com os dois, eles parecem completamente opostos, como água e vinho. Enquanto o pai diz nunca ter incentivado nenhum dos três filhos a seguirem a mesma carreira ou a cuidar da empresa, Antonia já diz que ele incentivou em 100%. 

Mas, ainda que não pareça, eles dizem a mesma coisa. Na maioria dos casos entrevistados, os pais deixaram a escolha profissional do filho emergir naturalmente, sem cobrança ou pressão. Entretanto, sabemos que quem ama arte o faz com entrega total e acaba levando a atmosfera artística do trabalho para casa. Desta forma, torna-se quase inevitável influenciar e inspirar, cada um ao seu modo, os amados mais próximos. É muito comum que ao longo dos anos os assuntos artísticos tenham sido presentes a cada mesa de jantar. “Para nós a arte é o assunto principal, a gente fala sobre arte o dia inteiro. É um pouco obsessivo mesmo”, comenta Antonia. 

Para muitos filhos, adentrar o universo laborativo do pai perpassa caminhos de admiração, mas também de grande responsabilidade ao lidar com seus respectivos legados. Clara Gerchman é gestora de acervos e filha do já falecido artista Rubens Gerchman. Ela nunca desejou ser artista ou seguir em qualquer área dentro deste circuito, mas quando seu pai veio a falecer, ela se viu em uma situação que exigia essa mudança. “Não tinha como não ter uma rápida compreensão do legado que ele tinha deixado e abraçar isso”, ela comenta. Hoje Clara dirige o instituto que carrega o nome de seu pai e é a maior responsável pela difusão da memória dele.

Clara Gerchman e Rubens Gerchman
Clara Gerchman e Rubens Gerchman. Cortesia de Clara Gerchman.

Claro que a imprevisibilidade da carreira de um filho artista pode ser um grande receio para um pai. Lenora de Barros, grande nome da arte contemporânea, e sua irmã seguiram a mesma profissão do já falecido pai, Geraldo de Barros, que deixou um inigualável legado para o concretismo brasileiro. Além de artista, Geraldo trabalhou no banco no período da manhã por muitos anos. Apesar de ser um grande incentivo criativo na vida das filhas, ele sempre ponderou as dificuldades de ter a arte como principal fonte de subsistência. 

Mas existem também as exceções de pais que relatam terem tentado intencionalmente se esquivar de uma educação artística ou que por algum momento desejaram que os filhos não seguissem a mesma ocupação. É o caso de Agnaldo Farias, curador e pai de Theo Monteiro, também curador. Ele conta que nunca levou o filho à exposições, com exceção de uma Bienal de São Paulo que contava com a presença de uma famosa escultura de aranha da Louise Bourgeois e que, segundo ele, serviu apenas para traumatizar o filho que na ocasião se assustou com a criatura. Os dois atribuem a influência artística na vida de Theo ao avô materno que era arquiteto, ligado à arte e arquitetura coloniais, e restaurava igrejas barrocas. 

Max Perlingeiro, diretor da Pinakotheke e pai de Camila, Mariana, Max e Victor, que trabalham em diferentes áreas de cada filial da empresa, comenta sobre o receio de incluir os filhos nos negócios. “Eu sempre brinquei que nunca queria contratar filho, porque filho não se demite”. Mas, segundo ele mesmo, ainda que tivesse muito pé atrás, tudo fluiu naturalmente e houve uma espécie de inversão: “eles me contrataram, quando eu vi eu estava entre eles”, ele brinca. “Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo”, conclui.

O que eles aprendem um com o outro?

De um lado temos a experiência dos pais, e de outro o frescor de uma juventude antenada aos novos tempos. Se antigamente houve um tempo em que apenas as gerações mais novas aprendiam com as antepassadas, hoje essa ordem não é mais uma regra. 

“Nessa altura do campeonato é comum que se perca a curiosidade, mas não aconteceu isso comigo”, comenta Peninha. “A Antonia anda com gente muito mais jovem e que acompanha de perto o processo do mercado (…) eu aprendi com ela a ser mais organizado, a ter esse olhar mais jovem e curiosidade aguçada”, ele conclui. 

Os Bergamins ainda lembram que antigamente não era comum ter cursos ou formações para o mercado de arte, aliás, na época de escola de Antonia, nenhum colega entendia ou sabia da existência da profissão de seu pai. Desse modo, crescer com o marchand cumpriu uma função formativa na vida dos filhos.

Lenora comenta que percebe uma sutil influência da produção de seu pai em seus trabalhos. Ainda que indiretamente, ela relaciona a obra Mim quer sair de si com uma pesquisa singular de Geraldo baseada em uma série de autorretratos inspirados na estética de filmes francês. 

Mim quer sair de si, 1994, Lenora de Barros
Mim quer sair de si, 1994, Lenora de Barros

A artista também relata que enquanto sua mãe queria matricular as filhas num colégio rígido que fosse referência de ensino, o pai se preocupava que sobrasse tempo além dos estudos para que elas se debruçassem em práticas criativas. Ela compreende a mãe como seu maior estímulo da escrita, da literatura e da pesquisa pela palavra – assunto recorrente em seus trabalhos -, e o pai como seu impulso visual. Essas referências são tratadas na colagem Em forma de família da artista.

Lenora de Barros
“Em forma de Família”, 1993, Lenora de Barros

É perceptível que os relatos a respeito de cada aprendizado possuem raízes profundas baseadas na admiração mútua. “Acho que ela tem uma visão política bem estruturada e uma capacidade de síntese visual e de texto como poucas pessoas que conheci na idade dela. Ela está muito à frente de mim quando eu tinha a sua idade”, comenta o curador Marcello Dantas sobre sua filha Catarina Duncan, também curadora. 

Outro pai orgulhoso foi Geraldo de Barros, que apesar de não ter visto a carreira de Lenora em seu ápice, foi um grande fã de cada conquista dela. Quando Lenora foi colunista em uma revista, Geraldo recortava as páginas e as guardava semanalmente.

Com tanto interesse em comum, como separar arte e vida? Vida familiar e trabalho? 

Esses clichês ainda estão presentes na vida dessas pessoas simplesmente porque para além de ser um trabalho ou assunto de interesse, a arte é um agente intrínseco para formar nossa visão de mundo e nossa maneira de nos relacionarmos com ele. 

Na profissão de um curador, por exemplo, um olhar atento, observador e curioso para até mesmo as coisas que parecem banais se faz essencial. “Meu pai me ensinou o prazer de ver uma coisa pela primeira vez”, diz Theo Monteiro que refere-se ao ofício e à vida.

Mesmo com todos os desafios como em qualquer trabalho, a arte pode ser um grande hobby e possibilitar atividades prazerosas em meio ao exercício. Segundo Clara Gerchman, a arte era o alicerce da sua relação com Rubens. Circundados por essa atmosfera, visitar exposições era o programa favorito entre eles. “Nunca mais encontrei alguém a altura”, ela complementa. 

Já para Antonia e Jones, há grande deleite em ajudar o outro a fazer um bom negócio e comprar obras em conjunto. Ao serem perguntados sobre qual eles mais gostaram de comprar, os dois citam em sincronia: “a Madonna do Volpi”. 

Talvez o limite e o elo dessas questões sejam a mesma coisa afinal das contas: as relações afetivas. “Acho que sabemos que a arte não é a coisa mais importante da nossa relação e sim o afeto, a parceria e o aprendizado. Antes de sermos dois curadores somos pai e filha”, conclui Catarina Duncan. 

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