Três artistas indignados com o genocídio Yanomami

O povo Yanomami não tem paz desde o primeiro contato com não-indígenas e artistas denunciam os momentos mais cruéis

Tempo de leitura estimado: 4 minutos

Vânia Mignone
Detalhe do mural Sem título, de Vânia Mignone, exposto no Instituto Tomie Ohtake

O povo Yanomami não conhecia o significado da palavra “genocídio” até entrar em contato com os homens não-indígenas. O povo Yanomami habita, há um milênio, a Serra Parima, maciço montanhoso na fronteira entre Brasil e Venezuela, onde nasce o rio Orinoco. Hoje eles se dividem entre os países, sendo cerca de 30 indígenas do lado de cá e 20 mil do lado de lá. Relativamente isolados até o início do século passado, eles conheceram diversas forma de violência e apagamento. 

Apesar da tragédia Yanomami ser contínua desde então, 3 momentos foram especialmente dramáticos e eles foram lembrados e denunciados por 3 artistas.  

Marcados, Claudia Andujar
Marcados, Claudia Andujar

Primeiro Ato: Claudia Andujar 

O contato com os os não-indígenas parece ter sido mais intenso e cruel a partir da década de 1970, durante o esforço do governo militar de definir as fronteiras do Brasil, por meio da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites.

Foi nesta época também que eles vivenciaram a primeira onda de doenças levadas pelos garimpeiros para a região. A década foi marcada, ainda, pela construção da rodovia Perimetral Norte (BR 210), conhecida também como Perimetral Norte, que atravessou o território Yanomami – a Comissão Nacional da Verdade concluiu que a construção de rodovias no governo militar matou cerca de 8 mil índios.

Marcados, Claudia Andujar
Marcados, Claudia Andujar

Foi nessa época que Claudia Andujar entrou em contato pela primeira vez com os Yanomami e começou a registrar não só seus costumes e cosmovisão deste povo, mas também a denunciar a violência destes primeiros contatos. 

Uma série icônica é a “Marcados”: retratos dos indígenas portando  números de cadastramento pendurados ao pescoço – a maioria deles já aculturados, com vestimentas e destituídos de pinturas corporais-  feitas durante controle e tratamento nos programa de saúde. 

Massacre de Haximu, Luiz Zerbini 
Massacre de Haximu, Luiz Zerbini 

Segundo Ato: Luiz Zerbini 

Desde os o final da década de 1970, Andujar lutou ao lado de lideranças Yanomami para sacramentar a demarcação da Terra Indígena Yanomami. A vitória veio em maio de 1992. No entanto, tempos de paz parace ser um luxo raro na vida dos Yanomami e 1993 foi marcada pelo Massacre de Haximu.  “Haximu” é o nome da comunidade que vivia na fronteira do Brasil com a Venezuela e foi massacrada por garimpeiros em busca de ouro. Dezesseis indígenas foram assassinados pelos garimpeiros, incluindo idosos e crianças.

Luiz Zerbini criou, para sua última exposição no Masp, uma pintura chamada “Massacre de Haximu” para expressar seu lamento e indignação diante desse fato. Para realizar a obra, o artista reuniu inúmeras notícias de jornal desses últimos 30 anos de luta Yanomami contra garimpeiros, além de pesquisar em redes de comunicadores locais, em especial o ISA ( Instituto Sócio Ambiental) e a Hutukara – importantes armas de informação contra o garimpo ilegal.Durante a execução do trabalho, o principal responsável pelo Massacre de Haximu, Pedro Emiliano Garcia, foi condenado a 20 anos de prisão. Zerbini relembra a importância de figurar e revelar não só as resistências, como também os inimigos dos povos indígenas. 

Vânia Mignone
Detalhe do mural Sem título, de Vânia Mignone, exposto no Instituto Tomie Ohtake

Terceiro Ato: Vânia Mignone

Em maio do ano passado, quando os Yanomamis comemoravam 30 de terras demarcadas, uma menina de apenas 12 anos que foi estuprada e morta e um grupo desapareceu deixando como último vestígio uma pequena aldeia em chamas. 

No início de 2023, mais notícias chocam o mundo:o Ministério dos Povos Indígenas divulgou que 99 crianças – entre um a 4 anos – do povo Yanomami morreram no ano de 2022. Os dados confirmados são só do último ano, mas pasta estima que ao menos 570 crianças foram mortas nos últimos quatro anos – marcando o último governo como um dos mais  nocivos para os povos indígenas.  As principais causas foram desnutrição, pneumonia, diarreia e contaminação por mercúrio. Além disso,  foram confirmados mais de 11 mil casos de malária na região. A Terra Yanomami virou, mais uma vez, palco de tragédia humanitária! E isso estampou as capas de jornais. 

Detalhe do mural Sem título, de Vânia Mignone, exposto no Instituto Tomie Ohtake
Detalhe do mural Sem título, de Vânia Mignone, exposto no Instituto Tomie Ohtake

Vânia Mignone dedica um mural, presente na mostra De tudo se faz canção, no Instituto Tomie Ohtake, a mais este triste episódio da história Yanomami. A artista representa uma figura híbrida flor/mulher aos prantos junto ao escrito “O CHORO DE IRACEMA” vertendo sobre as águas escuras de um rio. Esse texto assemelha-se a uma manchete de jornal, revelando tanto uma conexão da própria artista com os veículos de comunicação de massa quanto a forma como estas duras notícias chegam até nós. 

Vânia Mignone
Detalhe do mural Sem título, de Vânia Mignone, exposto no Instituto Tomie Ohtake

As cores guardam um caráter inesperado e estranho, como se coubesse ao observador a indagação das causas que tornaram essas águas turvas e violetas, e uma das montanhas ganhar um vermelho sangue tão vivo. Nessa paisagem melancólica em transmutação, um pássaro também chora e as linhas desse choro se transformam em grafismos indígenas. Elas são choro e também são chuva como se suas águas pudessem conduzir parte desse enorme pesar. 

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