Como as mães conseguem conciliar suas duplas jornadas dentro do mercado de arte? Ainda hoje é quase impossível ser mãe e construir sua carreira profissional sem julgamentos alheios. No mundo artístico é ainda mais difícil. São diversas camadas que entram em questão aqui: a luta para que a profissão de artista seja legitimada, o desafio de se estabelecer no mercado, a desigualdade de gênero – quando não também a de raça – somadas ainda ao momento de gerar e criar um novo ser humano.
Os obstáculos são muitos e o aprendizado ainda maior. Por isso, com a celebração do dia das mães chegando, convidamos artistas mães para compartilhar suas experiências, desafios e inspirações conosco.
É possível ter uma vida completa depois de ser mãe? | com Gretta Sarfaty, mãe do Pedro, Rafaella e Vitoria
“Quando expus pela primeira vez, com um grupo de mais três amigas artistas, chamado GRAL, entre 1973 e 1974, eu já era mãe de três crianças. Um pouco mais tarde me divorciei e passei a me dividir entre Europa e Brasil, para poder estar com meus filhos e ao mesmo tempo poder avançar com meu trabalho como artista. Lá para o final dos anos 1980, quando morei em Nova York, eles também chegaram a ficar comigo por alguns períodos. Então conviviam com a dinâmica do ateliê e tudo mais. Foi bem complicado ter de lidar com as críticas que faziam, como se por ser mãe eu não pudesse me dedicar a outra coisa, devia ser exclusivamente mãe e acho que não é assim. Na época, meu trabalho estava associado ao feminismo, com o questionamento das pressões sobre a mulher e me viam como se estivesse negligenciando a maternidade. Mas, isso não era verdade, eu só estava tentando ter uma vida completa. Lembro-me das críticas externas e até de reclamações das crianças, como minha mais velha que chegou a me perguntar uma vez: ‘não tem como você ser uma mãe normal?’. Hoje, com 50 anos de carreira, sendo reconhecida e estudada por críticos e acadêmicos, expondo em museus importantes, parece que há uma reconciliação. Eles têm orgulho disso e entendem melhor. Minhas filhas também são mães, elas sabem como é!”
Como a maternidade impacta diretamente na criação artística? | com Brisa Noronha, mãe de Lina
“Vejo meu trabalho como uma pesquisa sobre delicadeza e sobre ordens instáveis. Estou interessada nas adaptações e reordenações necessárias para que a vida de um sistema (não necessariamente humano) se prolifere. Neste sentido, a maternidade afetou minha trajetória radicalmente, de modo que passei a compreender e a observar minha própria dinâmica de trabalho como um sistema que precisou se adaptar para sobreviver. Por exemplo, costumo trabalhar muito com argila, o que requer um tempo e espaço que não tive por mais de um ano. Então passei a experimentar o desenho e a pintura e isso acabou se refletindo depois no trabalho com argila. Precisei encontrar um novo equilíbrio, entender uma outra percepção do tempo e me deparei com uma nova espécie de sensibilidade. Minha pesquisa está muito relacionada a conceitos científicos da física e da química, um universo majoritariamente masculino e objetivo e, sendo assim, havia uma preocupação em manter um discurso que estivesse de acordo com este lugar. Depois que a Lina nasceu (hoje ela está com 4 anos), a pesquisa teórica foi se complementando com informações de outros universos de uma maneira muito sutil, quase imperceptível. A parte intuitiva e sensível do trabalho foi fortalecida, talvez seja a estrutura que sustenta a nova ordem, caótica, perturbadora e maravilhosa, que segue em constante formação após a maternidade.”
Como a maternidade impacta na rotina? | com Mônica Ventura, mãe de Arjuna
“A maternidade impactou diretamente nas minhas prioridades, minha rotina e metodologias de trabalho. Eu não tinha uma metodologia tão clara e objetiva de produção artística, com a maternidade isso se fez necessário. Eu ainda não consigo aplicar tudo a que me proponho para organizar as minhas produções. Então tenho que ajustar meus compromissos, sempre levando em consideração que o bebê é uma prioridade, especialmente nesse primeiro momento onde eu tenho maior protagonismo, por causa da amamentação, por exemplo.”
Gerar um ser humano é um processo inspirador? | com Keila Sankofa, mãe de Maria
“Só é possível criar obras com a potência que crio, por ter ela ao meu lado. Minha filha é minha amiga, incentivadora, um grande fruto de poucas expectativas e muito amor. A natureza é a manifestação de Deus na terra. Se por algum motivo você desacreditar da existência de um deus, olhe o temporal que se forma, o vento e sua sonoridade, a leveza de um passarinho flutuando ou os olhos de um bebê que de dentro de você acabou de sair. A minha produção artística não é separada da minha vida, o trabalho é só a parte burocrática, o resto é existência. Sou uma mulher negra e minha maternidade teve desamparo, solidão, precariedade e medo, mas ver minha reprodução em carne e sangue é sensacional, me trouxe um sentimento delicioso de amar e poder ser amada.”
Como você incorpora a temática na sua produção? | com Renata Felinto, mãe de Benedita e Francisco
“Eu sempre representei mulheres gestantes e outras abordagens que envolvem o gestar. Depois de entrar na maternidade o processo de criação foi modificado pela rotina com as crianças e acabou sendo incorporado aos assuntos que são minhas prioridades em relação à vida. Como minha vida tem sido o meu nutrir artístico, é evidente que muitas vezes o ser mãe solo aparece. Da delicadeza à violência, todas as dimensões dessa condição estão na minha obra, no meu pensar e fazer, desde o tempo para fazer, até como é, ou como finaliza. Para além da romantização e da idealização, as obras tratam de denúncia, porém também de amor, que se desenvolve a partir da organicidade da rotina diária”.