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“…vivem no compasso do sol” de Sonia Gomes na Mendes Wood DM

5 junho @ 11:00 27 julho @ 19:00

Imagem: Divulgação Mendes Wood DM

Um novo mundo se abre quando se entra na obra de Sonia Gomes, uma obra que contém todos os avatares possíveis da matéria têxtil: dos fios às cordas sólidas, às vezes substituídas por cabos, até os restos de bordados, de sedas estampadas ou mesmo de batiks e outros tecidos, entrelaçados uns aos outros para formar superfícies, estruturas, massas de fibras frisadas, ou pequenos monstros com antenas que não deixam nada a dever ao antropomorfismo (Trouxa). A atmosfera é orgânica pelas texturas e pelo volume, pois os envelopes de tecidos são acolchoados e costurados, remendados ou rapaillés, como escrevia o poeta do Quebec Gaston Miron, em 1970, para fazer soar a linguagem popular que buscava um termo para dizer: “reunir objetos espalhados”. Sonia Gomes remenda os tecidos que lhe dão; ela os agencia e lhes dá nova vida e sentido através da espessura e da textura revalorizada ou do elemento gráfico revisitado. Eles formam, algumas vezes, magmas fibrosos que evocam o musgo espanhol que pende das árvores das regiões tropicais americanas (Pendente). Mas é sob um ângulo metafórico, pois aqui o material afirma o trabalho humano com orgulho, o trabalho da arte. A torção das massas, o estiramento dos tecidos ou a costura em relevo, produzidos pelas mãos da artista, imprime à obra uma profundidade; uma profundidade rugosa e significante.

A mão onipresente de Sonia Gomes é poderosa nessas configurações de fibras coloridas até a orgia. A intenção nunca é excluída da forma. A experiência estética vem da tensão exercida sobre o enchimento, contido tanto por amarrações como por velaturas de tecidos ornamentados. Esses meandros de linhas sofisticadas –  originais e em maior número do que aqueles pintados ou desenhados pela artista – são de certo modo citados na obra de Sonia Gomes, que se apropria do bordado, da renda, das estampas, como símbolos das mãos que costuram, das pequenas confecções convocadas e homenageadas por uma artista que se associa ao mundo, um mundo de mulheres que fazem.

Na obra de Sonia Gomes, a citação não é apenas o gesto artístico pós-moderno – ao qual ele se afilia claramente mas de forma indireta -, trata-se, sobretudo, do gesto artístico negro por excelência, o da reparação do mundo pela recuperação e pela remodelagem. O foco da atenção é dirigido ao que é – a primeira vida do tecido – e ao que é possível ser, pela ressignificação utópica de um pedaço de pano, de um guardanapo, de uma sobra de cortina ou ainda de um tecido de juta. A fibra tem muitas vidas potenciais que a artista gosta de amassar, encher, entrelaçar criando inúmeras proposições para transformar e compartilhar o que já está, ao invés de constranger excessivamente a terra e a arte. Material e manual, feminina e negra, a arte de Sonia Gomes se afasta da tradicional colcha africana-americana, que já remendava, para se abrir ao modelo do mundo vivo, das formas de vida, no que eu acredito ser: a emulação da atividade do bicho da seda.

Pois é esse horizonte animal e ao mesmo tempo vegetal, que emerge da obra de Sonia Gomes quando ela se obstina em criar esses festins contidos, que se revelam em seu desejo de se transformarem em borboletas (os desenhos das asas já estāo presentes, potencialmente, nas estampas ou no bordado) mas as ligaduras da compressão não permitem o voo e o desabrochar do inseto. O casulo de fibras é amarrado e essa potencialidade, de formas redondas, curvas mas entrevadas, é uma maneira refinada e ao mesmo tempo violenta, de dar forma à intensidade de uma vida que permaneceu em estado fetal, em estado possível. Deste modo, como enuncia Sonia Gomes, seu amarelo é realmente o seu ouro (Meu amarelo é ouro), ela que prefere a modéstia do fragmento ao brilho do tecido desdobrado em sua totalidade. Com a artista, esses fragmentos se tornam obras de arte, que nos remetem ao seu mundo intenso, inextricável, da densidade e do jugo.

—    Anne Lafont 

Mendes Wood DM Paris

23 Place des Vosges
Paris, França
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