As fitas de cetim lembram um punhado de coisas, memórias tipicamente brasileiras em si, do peito de quem fala, canta, vive e ama este solo tropical com todas suas mazelas e bondades. As tiras, por vezes finas, por vezes grossas, lembram o carnaval no interior de Minas Gerais – confetes voando pelo coreto da cidadezinha, espuma artificial cortando os ares, e marchinhas tradicionais tocando na aparelhagem da prefeitura -. O frevo de Pernambuco, e a primeira saia coloridinha de fitas e estrelas, que alguém usou para uma apresentação da modalidade coreográfica, um breve estudo folclórico nacional.
As fitas também são memórias de infância, quando se têm o primeiro contato com artes na escolinha, uma camada generosa de cola branca e outra porção encantada de purpurina entrando em contato com a superfície sedosa – um projeto artístico de primeira mão, pelo cérebro e peito de uma criança de 5 ou 6 anos -. As fitas de cetim são, é claro, parte importante do embrulho dos presentes, que tanto fazem o coração vibrar com a imensa explosão extraordinária do afeto de quem dá e quem recebe.
As fitas de cetim são parte do imaginário afetivo brasileiro, e assim, também se tornaram aliadas importantes para o trabalho de Clara Moreira, que em uma série resplandecente de desenhos, encontra nos acessórios inspiração para criar corpos que voam e dançam por entre as telas. Quase sinônimos de “memória nacional”, as tiras são um dos elementos a trilhar uma estrada de lembranças e afagos, que nos fazem imergir na obra da criativa.
Nascida no Recife (PE) (cidade onde ainda vive e cria), Clara aprendeu e desenvolveu habilidades artísticas logo na infância, com a família de artistas populares, que vivia no subúrbio da capital pernambucana. Atualmente, seus desenhos e pinturas – poesias multidisciplinares -, levaram-na a conquistar o 8º Prêmio de Artes Tomie Ohtake, duas indicações ao Pipa (de 2022 e 2024, respectivamente), e também a expor nos acervos da Pinacoteca de São Paulo, Museu Paranaense, Museu da Língua Portuguesa, Caixa Cultural, Coleção Banco do Nordeste.
Neste ano, as fitas de cetim, unidas à reconquista de seu próprio corpo feminino enquanto motivação criativa e narrativa, despontaram no cenário nacional ao inaugurar sua primeira exposição individual em Paris, na Galerie Salon H.
Em uma travessia que traz à jornada da heroína um tempero geracional, suas telas, vem conquistando o mundo com a carga perfeita de afetos populares, familiaridade e Brasil. Para reunir tantas coisas em uma pintura, ou desenho, Clara Moreira também encontra na música um refúgio criativo e, assim, a artista presenteou o ARTEQUEACONTECE com uma playlist única que, de muitas formas, retrata tudo aquilo que traz em suas obras.
“Eu ouço muita, muita música, em todas as partes da vida. Fiz essa playlist pensando na minha relação com a música enquanto estou desenhando.”, conta Clara.
Em um compilado que contém a potência de uma ciranda de Lia de Itamaracá, o pisado forte dos passos de um flamenco modernizado encontrado na música da espanhola Rosalia, a presença de espírito intensa da voz de Nina Simone e a vida e obra da nossa eterna divina maravilhosa Gal Costa, a playlist de Clara revela uma vigorosa presença feminina que a ajuda a “manter a latência da emoção, durante o longo trabalho físico de seguir desenhando, manter o coração por um triz”.
Como o Brasil, a playlist é bastante miscigenada, expressiva e emocional. Tudo isso talvez porque a ajude a encontrar “um tipo de espelhamento, ou encantamento brutal”, que por intermédio da “projeção lírica apaixonada que uma música é capaz de condicionar”, torne o sentir e emocionar mais simples.
Com um calor tipicamente brasileiro, Clara Moreira nos ajuda a navegar pelas 20 músicas selecionadas que nos abraçam com canções como a instrumental “Exu Odara”, de Kiko Odara, “Atrás Da Porta”, de Elis Regina, e “It Never Entered My Mind”, do mago do jazz, Miles Davis e seu quarteto musical.
Ao dar play, assim como Clara, talvez alguns de nós chorem ao ouvir as músicas como “Introdução Ao Poema Dos Olhos”, do mestre das cordas, Baden Powell, ou a emotiva ópera “Lamento della Ninfa”, em uma explosão de intensidade e inspiração.
Percorra as trilhas emocionais, brasileiras, internacionais e vivazes de Clara Moreira: confira a playlist completa no nosso spotify.
