O que deriva do encontro entre o corpo da artista e o corpo das coisas? Quanto dura a incisão das mãos sobre a matéria? Em que momento a repetição dessa incisão adquire o estatuto de memória? Estes são alguns dos frequentes questionamentos da artista Paloma Bosquê, que sempre teve uma ligação íntima com a matéria, analisando e equilibrando as diferentes químicas, estruturas, gramaturas, texturas, pesos, opacidades e transparências. Em sua terceira individual na galeria Mendes Wood DM, que abre dia 27 de novembro, a artista segue com sua árdua pesquisa que seduz pela visão instigando uma vontade de experiência tátil.
Em noite não noite sim ela apresenta uma série de objetos esculturais que nascem a partir de uma pesquisa de signos e matérias, sempre questionando a distinção entre animado e inanimado. A ideia de metamorfose parece estar presente em diferentes momentos: em uma das Placas compostas por fibra de algodão e gesso pedra, por exemplo, podemos enxergar o percurso lento e sinuoso da lava que escorre de um vulcão. Em outra, uma silhueta arredondada ocupa um espaço cinzento, que se limita com o negrume da outra metade do quadro: aqui está presente não apenas a noção de margem, fronteira, mas também a forma ovalada que se repetirá em outras obras. “A palavra “gema” se refere a pedras, mas também a resina, florações e ao cerne de um ovo — e assim, estamos diante tanto da resistência da matéria quanto de sua potência criadora”, revela o texto de apresentação da mostra.
Numa espécie de luta corporal com esses elementos, e na via inversa da dominação ou apropriação da matéria, Bosquê trabalha a partir de um gesto de mobilização mútua e transversal: a matéria anima as mãos e as mãos animam a matéria — que se revolta, que insiste, desafia as mãos com seu enigma.