Ricardo Ohtake

por Julia Lima

Tempo de leitura estimado: 5 minutos

A seção “AQA Pergunta” é dedicada a entrevistas com nomes importantes do cenário artístico brasileiro e mundial. Além de artistas, também abrimos espaço a outros agentes relevantes no campo da cultura, como produtores, galeristas, colecionadores, curadores e diretores de museus e instituições.

Ricardo Ohtake tem exercido um papel essencial na formulação e na promoção de uma agenda pública de valorização da arte contemporânea, não só em São Paulo, cidade onde atua há muitas décadas, como também no Brasil. Nascido na Mooca, é filho de Tomie Ohtake, uma das mais importantes artistas do país. Estudou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a mesma escola frequentada pelo irmão mais velho – o premiado arquiteto Ruy Ohtake, responsável por projetos icônicos como o Hotel Unique, o Instituto que homenageia sua mãe, o conjunto habitacional de Heliópolis, entre outros tantos edifícios marcantes. Ricardo, no entanto, não quis seguir a mesma profissão do irmão, apesar da formação acadêmica, e dedicou-se inicialmente em sua carreira à comunicação visual. Hoje ele conta que não se envolve tanto quanto gostaria nas atividades de seu estúdio, que produz todas as peças gráficas do Instituto Tomie Ohtake – entidade que dirige há 17 anos –, mas que os princípios que formulou e desenhou no início de sua carreira ainda são seguidos e desdobrados por Mônica Pasinato, uma ex-aluna que trabalha com ele há anos e que incorporou sua linguagem singular.

Em paralelo à produção gráfica, Ricardo sempre atuou na esfera pública. No colégio e durante a faculdade foi presidente dos grêmios estudantis, experiência política que impactou seu envolvimento com a criação de políticas públicas, inclusive no seu engajamento na luta contra a ditadura. Depois de formado, passou a trabalhar no Idart, um departamento já extinto da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que deu origem ao que hoje conhecemos como Centro Cultural São Paulo. A transição se deu em 1980, com a construção de um novo prédio, inaugurado em 1982, que foi dirigido por Ohtake durante os primeiros anos de funcionamento. Esse foi um tempo de ações experimentais: exposições não-convencionais, séries de concertos de música popular instrumental, documentação do acervo, entre outros projetos. Intuitivamente Ricardo já percebia que a arte passava por uma mudança de paradigma, que a educação demandava outros métodos e procedimentos mais abertos, e que um programa público era capaz de mudar uma cidade. Em seguida, foi no MIS – Museu da Imagem e do Som que Ricardo ampliou suas experimentações, instituindo programas permanentes para sempre trazer novas adições ao acervo do museu.

Já em 1993, Ricardo Ohtake foi chamado para ser Secretário Estadual de Cultura, quando buscou criar mecanismos para desenvolver as várias áreas da cultura, especialmente promovendo ações para formação e aperfeiçoamento de artistas, criando novas oficinas e escolas, e fundando novos museus. Muitos dos programas estabelecidos ali tiveram impacto duradouro ou foram iniciativas inovadoras. Talvez o mais ambicioso dos planos desenhados por Ohtake enquanto secretário tenha sido o “Arte/Cidade”, idealizado junto a Nelson Brissac, um projeto de intervenções urbanas que buscava identificar regiões críticas da cidade e trazer artistas e arquitetos nacionais e internacionais para criar ações, obras e intervenções site-specific. O objetivo da iniciativa era discutir os variados processos de reestruturação que a cidade tinha passado e vinha passando, assim como ampliar as possibilidades de produção cultural. A primeira edição do Arte/Cidade – “Cidade sem janelas”, foi realizada em 1994, ocupando o antigo Matadouro Municipal da Vila Mariana.

Foi em novembro de 2001, porém, que o maior desafio de Ricardo se iniciou. Durante a entrevista em seu escritório no Instituto, é surpreendente ver a quantidade de livros e publicações, textos e impressos que ocupam sua sala. O Instituto Tomie Ohtake foi inaugurado celebrando os 91 anos da artista patrona que lhe empresta o nome. A instituição é fruto do desejo dos antigos sócios do laboratório farmacêutico Aché, que financiaram a construção do complexo arquitetônico projetado por Ruy. Uma torre de escritórios, uma firma de advocacia, um teatro de 700 lugares, um espaço multiuso e um centro de convenções circundam o centro cultural, composto de grandes salas expositivas, oficinas educativas, um grande hall, loja, livraria e restaurante. Depois de 5 anos de projeto e construção, a instituição abriu suas portas com uma exposição da própria Tomie, e desde então não parou de promover a arte, o design e a arquitetura produzidos nos últimos 50 anos.

A vocação educativa de sua atuação se reprisa também nesta função de diretor institucional. Depois de formado, ele havia sido professor no Iadê, um espaço de ensino informal que depois viria a se tornar um colégio técnico, e na FAU São José dos Campos, que foi fechada com apenas 5 anos de funcionamento por pressão da ditadura militar. O foco na educação permeou e muito seu trabalho como secretário dando sempre ênfase e apoio a pesquisas de longa duração, à produção de publicações, à documentação, à realização de debates e programas públicos (para professores, para crianças e jovens, para idosos, para artistas, para pesquisadores, para todo tipo de espectador). No Instituto, o Núcleo de Cultura e Participação é motivo de orgulho para Ohtake, promovendo iniciativas inovadoras como “No Colo” (atividades para pais e bebês nas exposições), contações de histórias, formação para professores, e muitas outras. 

Ele fala com um sorriso no rosto sobre os obstáculos que enfrenta há quase 2 décadas para manter o Instituto não apenas um espaço com programação relevante e atraente, mas que também realize outras ações que impactem a cidade e o país. Outra iniciativa ambiciosa é a transformação da casa de sua mãe em um centro cultural. A casa, também projetada por Ruy, foi tombada pelo patrimônio histórico e agora, pouco mais de 3 anos após o falecimento de Tomie, abrirá ao público como espaço de pesquisa sobre as seis décadas de produção da artista. Ricardo Ohtake é, assim, movido a desafios, enfrentando sempre restrições orçamentárias, conjunturas políticas adversas, contextos institucionais delicados, e mais, cultivando relacionamentos com figuras essenciais ao seu campo de atuação, sempre com seu espírito meio-italiano, meio japonês. 

Quando perguntado sobre as grandes empreitadas já realizadas e as próximas grandes exposições que trará para São Paulo, é com empolgação que o diretor do Instituto conta sobre as dificuldades de trazer a mostra de Salvador Dalí, que demandou quase cinco anos de negociação com as coleções e os patrocinadores. Em geral, dois anos de trabalho intenso (o que inclui incontáveis viagens, ligações, reuniões) é a média da instituição para montar uma exposição blockbuster como as que têm sido organizadas desde a mega-retrospectiva de Yayoi Kusama – que atraiu mais de 500 mil visitantes. Ohtake destacou o projeto Histórias Afro-Atlânticas, realizado em parceria com o MASP, uma iniciativa inédita entre as duas instituições que se constitui como uma espécie de desdobramento da vasta pesquisa trazida pela exposição “Histórias Mestiças”, de 2015, organizada por Lilia Schwarcz e Adriano Pedrosa no próprio Instituto. Agora, os dois espaços serão ocupados com a nova exposição, organizada em núcleos temáticos para refletir sobre as histórias e narrativas dos fluxos de migração forçada não apenas durante a escravidão, mas sim do século XVI até os dias contemporâneos.

Outra grande atração será a vinda de parte do acervo do Albertina Museum, de Viena. Serão exibidas mais de 300 gravuras de grandes artistas, alguns raros exemplares gráficos nunca mostrados no Brasil. Apesar de não fazer parte do circuito mainstream, Ricardo conta sobre o incrível corpo de trabalhos que será trazido ao espaço, uma oportunidade singular de ver uma produção internacional dificilmente acessível ao grande público. E com o fim de nossa conversa, fica claro que é esse o grande motivador de Ohtake em seu trabalho incansável na cultural e na arte: dar a chance de ver o que não seria visto de outra maneira.

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