Enquanto discussões sobre a construção de um muro que dividiria o México dos Estados Unidos ainda segue em pauta – por mais bizarro que isso pareça -, muitos declaram que “o futuro é Latinx”. Mas o que significa isso? “Latinx” é um termo que atualiza rótulos tradicionais (e um tanto limitadores), como “hispânico” ou “latino”, que surgiram em meados do século XX para descrever as comunidades de migrantes latino-americanos nos Estados Unidos. Refere-se a indivíduos de origem latino-americana ( incluindo o Brasil e países do Caribe com colonização não hispânica) que vivem nos Estados Unidos e que não se identificam com o binário de gênero. Este mês, a antropóloga Arlene Dávila lança o livro Latinx Art: Artists/Markets/Politics para mostrar a invisibilidade destes artistas e subvalorização a chamada “Latinx Art”. Em seu livro, publicado pela Duke University Press, Dávila escreve sobre o que significa o termo “Latinx Art”, como ele é diferente da arte latino-americana (e por que a junção das duas pode ser problemática) e como as exibições de arte em geral alimentam a criação de um mercado racista.
![Latinx Art: Artists/Markets/Politics](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/978-1-4780-0945-0-683x1024.jpg)
O termo “hispânico” foi adotado nos anos setenta para denominar comunidades cuja língua e herança histórica estavam associadas à Espanha. O termo “latino” – que teve maior aceitação na comunidade latino-americana – transcendeu a barreira linguística ao incluir, tanto do ponto de vista geográfico, os grupos de língua espanhola, como também comunidades que se comunicam por meio do português, do inglês e também dos dialetos indígenas. Posteriormente, procurou-se criar um espaço inclusivo, feminino e masculino, eliminando o “o”ou o “a”. É uma terminologia flexível que não requer uma definição, mas abre outra categoria de (auto) identificação para pessoas que se identificam com o binário masculino-feminino.
É um termo que busca a inclusão máxima: “Latinx” inclui também pessoas que nasceram, foram educadas ou naturalizadas nos Estados Unidos; portanto, sua fala reflete o cruzamento entre espanhol e inglês, entre outras combinações possíveis. Gera, portanto, discussões muito interessantes sobre as formas de acesso e consumo artístico para uma comunidade que vive entre dois, três ou mais ambientes culturais nos Estados Unidos.
![David Antonio Cruz](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/david-antonio-cruz_soletthemeatasylumpink-1024x801.jpg)
“Nesse contexto, estava muito claro que as questões de mercado eram fundamentais, mas pareciam ser o elefante na sala. Foi a única questão importante que ninguém abordou diretamente. Como Antropóloga, sempre me interessei por questões de economia cultural, indústria e na relação entre cultura e capitalismo”, explica a autora ao Artnews. “Há um silêncio educado em torno de questões de mercado, assim como há um silêncio educado em torno de questões raciais”, continua.
“Latinx” é um conceito que não pertence à América Latina, nem pretende definir os processos artísticos ou sociais da região. No entanto, facilita a inclusão desses debates no discurso sobre a América Latina e a diáspora latino-americana. No artigo O artista mais caro da América é Latinx – mas ninguém sabe disso, por exemplo, Naiomy Guerrero propõe uma revisão da biografia de alguns artistas como Carmen Herrera ou Jean-Michel Basquiat para ressaltar a perspectiva “Latinx”. Segundo a autora, Basquiat é conhecido principalmente como um artista afro-americano, embora seu pai tenha nascido no Haiti e sua mãe seja descendente de porto-riquenhos. O posicionamento exclusivo de Basquiat como artista negro, acrescenta Guerrero, demonstra a contínua invisibilidade dos artistas “latinx” no mercado de arte, bem como a ausência histórica de pesquisas sobre a experiência latino-americana nos Estados Unidos.
![Guadalupe Maravilla](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/guadalupe-maravilla_-motorpsycho-1024x673.jpg)
Portanto, no contexto artístico, o termo inclui um grupo heterogêneo de artistas marcados pela migração, multilinguismo e crioulização, cuja obra ilustra identidades mistas de origens diversas. “Latinx” é um conceito socialmente construído e um produto das condições de marginalização da comunidade designada. “Quando falamos sobre artistas Latinx, também estamos falando sobre artistas que são imigrantes nos Estados Unidos; muitos deles são sonhadores, nem todos nascem e são criados nos EUA. É fundamental entender isso quando falamos de artistas Latinx, muitos são negros e pardos e não têm o que chamo de “privilégio nacional” – uma conexão com um país latino-americano”, explica a autora ao revelar que a cidade de Nova York é quase 28% Latinx e sugerir que precisamos saber sobre esses artistas. “Existe esse mito no mundo da arte de que raça não importa, identidade não importa. Qualidade é qualidade, e devemos olhar para os artistas apenas com base em seu trabalho. Claro, isso é pateticamente falso, mas as pessoas andam dizendo isso para manter e defender o mundo da arte masculina branca”, conclui.
![Lucia Hierro](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/lucia-hierro_mercado-series-1024x683.jpeg)
![Lindo colores, de Juan Sánchez](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/juan-sanchez-lindo-colores-997x1024.jpg)
![Female with Mulehip, de Alicia Grullón](https://www.artequeacontece.com.br/wp-content/uploads/2020/09/plate-9-878x1024.jpg)