Mendes Wood DM promove exposição sobre a história do nu masculino

Coletiva busca refletir sobre os conceitos sobre ideais de beleza, signos de poder e sexualidade

De Cartola e Noel Rosa a Jorge pimentão e família., da série Alto Subúrbio, de Wallace Pato, de 2021
De Cartola e Noel Rosa a Jorge pimentão e família., da série Alto Subúrbio, de Wallace Pato, de 2021

“As galerias ficaram com medo de mostrá-las”, disse Vincent Fremont, chefe do estúdio da  Factory, sobre a série Torso. Warhol foi um dos primeiros artistas a apresentar, na História da Arte ocidental, a questão do desejo do corpo masculino, marcando o período de liberdade sexual e existencial dos anos 1970. Mas a história da nudez masculina começou muito antes e seu estudo pode representar um importante reflexo das iconografias do poder – afinal,  a nudez foi usada durante séculos para representar tanto a vulnerabilidade dos humanos quanto as qualidades dos heróis. 

A exposição Male Nudes: Um salão de 1800 à 2021, na Mendes Wood DM, atravessa vários séculos, conceitos e debates sobre a nudez: as representações idealizadas na arte grega e egípcia; a criminalização como uma ferramenta cristã de poder e expansão; o estudo minucioso do corpo no renascimento italiano; o hipernaturalismo barroco; e, o olhar íntimo e, ao mesmo tempo, irreverente, de fotógrafos contemporâneos. O nome da mostra faz uma referência direta aos Salon des Refusés, mais especificamente ao de 1904, quando a tela  Narciso de Léon Galand foi exposta e ganhou o prêmio de melhor pintura. “O Neoclassicismo é um momento importante para essa história, pois é a primeira vez que aquele corpo idealizado da Grécia Antiga é questionado. A pintura do Léon foi recusada pelo júri do Salão justamente por mostrar uma fragilidade e feminilidade única e nunca vista antes – repare que o Narciso de Galand tem cabelos longos e nenhum músculo. Portanto, 1800 é uma data significativa na história da representação do nu masculino na arte. Carrega em seu contexto histórico e político uma moralidade específica em relação ao corpo masculino”, explica Matheus Yehudi, organizador da mostra que conta com a icônica pintura de Galand.

Nude,  de Martine Riviere, de 1990
Nude, de Martine Riviere, de 1990
Continent, de Xie Lei, de 2020
Continent, de Xie Lei, de 2020

A mostra, aliás, já vale pelo time. Reúne nomes poderosos da História da Arte, como Jean Cocteau, Francis Picabia, Osmar Schindler, Wilhelm Von Gloeden, Guglielmo Von Plüschow com contemporâneos de peso – caso de Sarah Lucas, Larry Clark, James Lee Byars, Bruce Weber, Robert Mapplethorpe, Andy Warhol. Há, ainda, um diálogo com artistas brasileiros: pense em Tarsila do Amaral, Eliseu Visconti, Antonio Obá, Solange Pessoa, Rivane Neuenschwander, Edgar de Souza, Luiz Roque, Rodolpho Parigi, Daniel Lannes e Wallace Pato. 

A construção da grandeza do homem por meio do corpo é revelada na Grécia Antiga e resgatada tanto na Renascença, quanto no trabalho de alguns fotógrafos do final do século XIX. Nos desenhos observacionais produzidos pela École Française du XIXème há, entretanto, uma recusa desse corpo idealizado, quase divino. A inspiração está justamente no declínio do corpo, mostrando uma perspectiva trágica da humanidade. E o olhar anatômico dá lugar à transformação do corpo em produto e reprodução na fotocópia Torsos de Warhol; nas gravações da juventude sob o olhar de Larry Clark; e, na documentação das transformações e possibilidades do corpo masculino nas pinturas de Fernanda Azou do irmão transexual.

Sem título, Eliseu Visconti
Sem título, Eliseu Visconti

Outro ponto importante é a ideia do homem como o sexto forte, poderoso e dominador em oposição à fragilidade feminina. “A representação da superioridade masculina violenta e absolutamente distorcida e o exercício do domínio masculino sobre os corpos dissidentes foram proclamados como ‘normais’ ou ‘naturais’ ao longo da história. A alegada autoridade da masculinidade está intimamente ligada a uma ideia de sexo em que homens ‘reais’ devem ser sexualmente ‘potentes’ e exalar ‘poder sexual’.”, aponta Yehudi. 

Na falta de uma compreensão precisa da sexualidade humana, a história o considera o “sexo” como mais uma ferramenta de poder do homem sobre a mulher, uma forma de dominação e controle.  Portanto, as representações do corpo masculino são moralmente rejeitadas, enquanto as representações do corpo feminino são vistas como beleza natural e um objeto de propriedade e consumação.Ao refletir sobre a representação do poder como forma de opressão da linguagem e todas as suas possíveis repercussões, o nu masculino pode ser entendido como uma forma de desafiar o poder masculino através da “feminização” da forma, sugerindo fragilidade. 

Narcisus de Léon Galand, de 1904
Narcisus de Léon Galand, de 1904

Como o desejo feminino era extremamente reprimido, mulheres devoradoras Louise Bourgeois e Maria Martins fugiam do “escopo” da mulher e, por isso, impressionaram tanto para o bem quanto para o mal. A perspectiva homoerótica sobre os nus masculinos, desta forma,  entra em cena criando uma ideia antologicamente homo-olhar sobre o corpo nu masculino. 

O caminho natural, portanto, seria explorar a fonte de desejo desse corpo – pesquisa que encontrou terreno fértil na Nova York dos anos 1970 – e a fetichizar as noções desses corpos como um contraponto à história política da moralidade. Foi nesse período, por exemplo, que as fotografias de Barão Wilhelm Von Gloeden foram redescobertas com entusiasmo: o alemão havia feito imagens, no final do século 19,  com o objetivo de estudar nus de jovens e meninos de Taormina. Mas seus trabalhos foram confiscados como material pornografico e, quando seus negativos foram devolvidos aos responsáveis por seu trabalho após a segunda guerra mundial, apenas algumas centenas permaneceram intactos. 


“Num esforço mais curioso do que obsessivo de olhar para dentro dos corpos, para encontrar a gênese de uma representação visual do espírito e de suas subjetividades mais míticas, Von Gloeden e Guglielmo von Plüschow imitam na fotografia a essência dos gregos. Esta observação helenística do corpo se transmite hoje no fauno queer de Rodolpho Parigi, cruzando séculos de possibilidades para o mesmo corpo e encontrando o Narciso de Léon Galand de 1904.”, observa Yehudi. 

 A montagem ganha destaque pelo olhar afiado e, ao mesmo tempo, sensível. Um desenho de Picabia pode interagir com os desenhos eróticos de Solange Pessoa e uma pintura de Eliseu Visconti pode dialogar com uma fotografia de Wolfgang Tillmans.  Enquanto cruza a adoração ao corpo masculino de Mapplethorpe e as narrativas mitológicas de Wilhelm Von Gloeden, a exposição também apresenta a perspectiva de Tarsila do Amaral e Visconti como observadores modernos da forma. Imperdível. 

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