35 anos da “Mão Afro-Brasileira”: A celebração de uma identidade artística e cultural

Exposição no MAM São Paulo e Museu Afro Brasil Emanoel Araujo honra o legado de Emanoel Araujo e a arte Afro-Brasileira

Flávia Santos, Yangì, 2023. Coleção particular. Foto: Renato Parada

No ano de 1988, quando o Brasil celebrava o centenário da abolição da escravatura, uma exposição de arte emergiu como um farol de reconhecimento para a cultura afro-brasileira. Com curadoria de Emanoel Araujo (1940-2022), a coletiva “A Mão Afro-Brasileira”, pioneira por apresentar um dos maiores panoramas da produção de artistas negros, marcou um ponto de virada na história da arte do país.

Mais de três décadas depois, esta mostra icônica é revisitada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) e no Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, sob curadoria de Claudinei Roberto da Silva. “Mãos: 35 Anos da Mão Afro-Brasileira” não é apenas uma celebração da arte afro-brasileira, mas também uma homenagem ao legado de Araujo.

Diogo Nogue, Não verás país nenhum – Desconversando o Eu, 2021. Foto: Renato Parada

Revisitando a “Mão Afro-Brasileira”

Emanoel Araújo realizou extensas pesquisas para compilar informações sobre artistas afrodescendentes no Brasil. O processo envolveu a busca em arquivos, bibliotecas e publicações, resgatando personagens e obras que estavam sub-representados na história oficial da arte.

Compartilhada com o artista, curador, criador e diretor do Museu Afro Brasil, que infelizmente não pôde ver o projeto concretizado, “Mãos: 35 Anos da Mão Afro-Brasileira” renova o espírito da histórica exposição de 1988, explorando a produção artística contemporânea que, naturalmente, não estava presente na exibição original.

A coletiva reúne pinturas, gravuras, fotografias, esculturas e documentos de mais de 30 artistas afrodescendentes brasileiros, populares, acadêmicos, modernos e/ou contemporâneos, buscando atualizar o debate sobre a valorização da arte afro-brasileira e prestar homenagem àqueles que resistem à invisibilidade.

Renata Felinto, Marginais, 2000. Acervo Museu Afro Brasil Emanoel Araújo. Foto: Renato Parada

O combate ao Epistemicídio

O termo “epistemologia” tem suas raízes na Grécia Antiga, onde “episteme” significa “conhecimento” e “logos” refere-se a “estudo”. Assim, a epistemologia é o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das diversas ciências de um povo. Ela serve como uma ferramenta para compreender o conhecimento gerado pelas sociedades por meio de métodos científicos e saberes filosóficos.

O termo “epistemicídio”, cunhado pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, refere-se, portanto, à destruição de formas locais de saber, à inferiorização de outras e à negação da diversidade cultural, protagonizada por diferentes comunidades. O epistemicídio se manifesta quando formas de conhecimento são apagadas, marginalizadas ou deslegitimadas, muitas vezes em prol de interesses coloniais e racistas.

Durante a colonização do Brasil, por exemplo, houve o apagamento das contribuições científicas, filosóficas e identitárias das populações africanas, forçando a conversão ao cristianismo e a perda de identidade cultural.

A exposição também serve como uma resistência a este termo. No contexto de uma sociedade historicamente marcada pela desigualdade racial, o epistemicídio é um subproduto do racismo estrutural. A valorização da arte afro-brasileira é uma resposta direta a essa negação de direitos e à negligência de produções culturais significativas. Portanto, a emergência da arte afro-brasileira é inseparável do avanço das lutas por direitos civis.

André Ricardo, Sem título, 2023. Foto: Estúdio Em Obra

Uma narrativa que abre possibilidades

Por meio dos olhos de Claudinei, “Mãos: 35 Anos da Mão Afro-Brasileira” se torna mais do que uma exposição de arte; é uma declaração potente sobre a importância da arte na celebração da diversidade cultural, na luta contra a invisibilidade e no resgate da história afro-brasileira. É um tributo à perseverança daqueles que, como Emanoel Araujo, têm dedicado suas vidas para dar voz à cultura afro-brasileira e uma oportunidade para o público se envolver com uma herança rica e multifacetada.

Cauê Alves, curador-chefe do MAM, ressalta a importância desta revisitação como uma janela para o futuro. A exposição atualiza o debate sobre a valorização da arte afro-brasileira e abre possibilidades para novas narrativas culturais. Valorizar a produção simbólica daqueles que tradicionalmente foram marginalizados nas instituições culturais é um passo vital na construção de uma narrativa inclusiva e representativa da história do Brasil.

Sérgio Adriano H, Série História do Brasil “Civilizados” Branco sobre Branco I, 2021. Foto: Renato Parada

No MAM, a exposição será exibida na Sala Paulo Figueiredo com obras de Agnaldo, Manuel dos Santos, Aline Bispo, Almandrade, André Ricardo, Arthur Timótheo da Costa, Betto, Souza, Claudio Cupertino, Cosme Martins, Denis Moreira, Diogo Nógue, Edival Ramosa, Edu Silva, Emanoel Araujo, Emave – Natalia Marques, Eneida Sanches, Estevão Roberto da Silva, Flávia Santos, Genilson Soares, Heitor dos Prazeres, João Timótheo da Costa, Jorge dos Anjos, José Adário dos Santos, Leandro Mendes, Luiz 83, Maria Lídia Magliani, Maurino de Araújo, May Agontinmé, Mestre Didi, Néia Martins, Nivaldo Carmo, Otávio Araújo, Paulo Nazareth, Peter de Brito, Rebeca Carapia, Rommulo Vieira Conceição, Rosana Paulino, Rubem Valentim, Sérgio Adriano H, Sidney Amaral, Sonia Gomes, Taygoara Schiavinoto, Wilson Tibério e Yèdamaria.

E no MAB Emanoel Araujo, as obras de Emanoel Araujo, Denis Moreira, May Agontinme, Juliana dos Santos, Lidia Lisbôa e Renata Felinto serão exibidas na Biblioteca Carolina Maria de Jesus, ao lado de documentos referentes à exposição de 1988 pertencentes ao Arquivo do MAM.

“Mãos: 35 anos da Mão Afro-Brasileira” 

Local: MAM SP e Museu Afro Brasil Emanoel Araújo

Data: 19 de outubro de 2023 até 3 de março de 2024

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