Artista Aposta: Guilherme Borsatto

Artista utiliza suas criações como enxertos entre as memórias familiares que ele não teve e se apropria das romantizações que criamos em torno do tema

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Artista Aposta - Guilherme Borsatto
Guilherme Borsatto

Todo e qualquer espectador projeta suas memórias ao ver uma obra e a interpreta de acordo com sua bagagem. O artista paulistano, Guilherme Borsatto, sabe bem disso e se apropria dessa condição. 

Fugindo da carreira de contador, com a qual lidou por sete anos, Borsatto procurou na arte um refúgio onde pudesse tratar sua saúde mental consumida pelo trabalho anterior. Mas quando chegou na faculdade de artes visuais, sentiu-se desencorajado a produzir obras que originassem do afeto e fossem justificadas de um ponto pessoal. Entretanto, fato é que todo trabalho artístico parte de um lugar particular do autor, ainda que se desprenda posteriormente. 

A morte prematura de sua mãe – quando ele ainda era criança – naturalmente fragmentou sua família e deixou muitas lacunas. Mas foi numa mudança que Borsatto, já adulto, se deparou com uma caixa recheada de receitas escritas à mão por sua mãe, e a partir disso buscou extrair memórias que até então ele não tinha. 

Colo (2021)

Porém as memórias são fluidas, podem ser reais, inventadas, deturpadas, coletivas, individuais, perdidas e recuperadas. Então quando o artista decidiu dar início a essa pesquisa, foi atrás de álbuns pessoais da família e se frustrou por não encontrar as imagens que esperava. “Eu tinha uma ideia muito fixa das imagens que eu queria, e a minha família não tinha essas fotos. Eu acho que poucas famílias têm essas fotografias de um lindo dia na praia ou de um café da manhã na mesa… São imagens que estão na nossa cabeça muito mais por causa da mídia”, ele comenta. 

Caderneta de receitas (2019) foi o primeiro trabalho que nasceu desse contexto poético das memórias maternas. Por meio dele, o artista apresenta fotografias e documentos – pessoais ou apropriados, manipulados ou ainda recriados – ao lado de conselhos extraídos das entrelinhas das receitas de sua mãe, como por exemplo: “cuidado para não passar do ponto”. Assim, o artista constrói uma narrativa que se inicia com o primeiro encontro entre uma mãe e seu filho, se desenvolve de dentro do ambiente doméstico para fora e se encerra com a separação entre eles.

Guilherme Borsatto - Artista aposta
Guilherme Borsatto - Artista aposta
Guilherme Borsatto - Artista aposta
Caderneta de Receitas, da série Bolo de Coca-Cola (2019)

Apesar do artista partir de um ponto íntimo de sua história, ele se apropria de algo universal, pois acredita que as fragilidades humanas são motores de experiências coletivas. “Mesmo que essas memórias nunca tenham acontecido, todos compartilham dessas mesmas expectativas, desse mesmo ideal familiar, dessa mesma figura materna que é hiper acolhedora e carinhosa”, ele explica. 

Ao folhear a caderneta não se sabe o que é real ali. Mas a realidade, no final das contas, resulta daquilo que você deseja acreditar. Nossas memórias são moldadas de acordo com as dinâmicas de afeto e por isso a identificação com o trabalho de Borsatto vem da projeção que cada um faz a partir de suas carências e bagagem familiar. Isso fica ainda mais evidente nas imagens sem nitidez que permitem que o espectador as complete com seus próprios conteúdos. Entretanto, ele não subverte a condição romântica dessas ficções, apenas adiciona uma grande camada de artificialidade, seja no brilho excessivo do papel fotográfico, nas cores ocre ou marrom para aparentar um envelhecimento cinematográfico, ou ainda na diagramação. 

Os títulos também brincam com essas ambiguidades. Bolo de coca-cola, por exemplo, é um título carregado de nostalgia, mesmo para quem não conhece o sabor. O artista comenta: “Eu mesmo não lembro qual é gosto de um bolo de coca-cola, e nem sei se eu já comi quando era criança”.

Outros pontos cruciais da potência do trabalho de Borsatto são a repetição e o apagamento. Segundo ele, assim são nossas memórias: imagens repetidas, de aspecto embaçado e diferente a cada vez que as revisitamos. “Quando a gente volta numa memória a gente contamina ela, a gente recria e perde algo ao mesmo tempo. (…) Meu objetivo é sintetizá-las (em obras) ao máximo até, talvez, não precisar mais delas.” ele diz. 

Guilherme Borsatto - Artista aposta
Ressaca (2021)

Atualmente o artista participa da exposição O encontro é um lugar impossível no Centro Cultural Correios São Paulo e orienta grupos de jovens artistas ao lado de sua amiga Giovana Macedo no projeto Incubadora

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