Escolas de Samba Celebram Artes e Pautas Sociais no Carnaval de 2024

Ainda celebrando a força artística, cultural e política do Carnaval deste ano, o ARTEQUEACONTECE te guia pelas memórias das avenidas, para você não esquecer nenhum detalhe importante dos desfiles mais emblemáticos de 2024

Tempo de leitura estimado: 6 minutos

Atualizada em 21/02/2024

O Carnaval de 2024 marcou o coração dos sambódromos de São Paulo e Rio de Janeiro com desfiles ricos em cultura e sociedade brasileira. Festividade tradicional e amada pelo país, o feriado trouxe as escolas de samba para as avenidas e com elas diversas referências à artistas visuais, figuras ilustres da história do Brasil e questões sociais abordadas ao longo dos últimos tempos na sociedade.

Ainda celebrando a força artística, cultural e política do Carnaval deste ano, o ARTEQUEACONTECE te guia pelas memórias das avenidas, para você não esquecer nenhum detalhe importante dos desfiles mais emblemáticos de 2024. Confira:

Imagem: Reprodução/Facebook Escola de Samba Vai-Vai – 10.02.2024

Vai-Vai: No Carnaval de 2024, o desfile da escola de samba Vai-Vai, tradicional de São Paulo, transformou-se em um manifesto racial e paulistano que ecoou pela avenida. 

O enredo do desfile pautou temas como a resistência negra, o repúdio ao racismo e a valorização da cultura afro-brasileira. Em destaque, a figura do bandeirante Borba Gato, icônica estátua paulistana, foi alvo de críticas da Vai-Vai, sendo pixada como forma de protesto contra a glorificação de personagens históricos associados à opressão e ao genocídio dos povos indígenas. A performance referenciou o incêndio ao monumento original de Borba-Gato (localizado na Av. Santo Amaro, em São Paulo capital), que foi incinerado por um grupo de ativistas em 2021, como forma de repudiar as dores da colonização no Brasil.

A presença do rapper Mano Brown, figura influente na cultura hip-hop e nas lutas sociais, ao lado da Vai-Vai, reforçou o caráter engajado do desfile, que se tornou um espaço para manifestações políticas e reflexões sobre a realidade brasileira. 

Imagem: Reprodução/Felipe Araujo LigaSP
Imagem: Reprodução/Felipe Araujo LigaSP

Mocidade Alegre: A Mocidade Alegre, bicampeã de São Paulo, brilhou em sua décima segunda premiação ao entoar um samba-enredo que reverenciava Mário de Andrade, destacando suas jornadas pelo Brasil em busca da identidade nacional. 

Fazendo referência à “Paulicéia Desvairada”, obra icônica de Mário de Andrade, a vencedora ressoou nos corações foliões o samba-enredo “Brasiléia Desvairada”, levando sua mensagem de amor à pátria e valorização das tradições aos palcos do Carnaval de 2024.

Nascido em São Paulo, Mário de Andrade é um dos mais ilustres escritores, músicos e pensadores do Brasil no século XX. Nacionalista, participou da idealização da Semana de Arte Moderna de 1922 – evento que deu início a uma nova era na literatura, nas artes plásticas e na música nacionais.

Imagem: Reprodução/Instagram Arranco do Engenho de Dentro
Imagem: Reprodução/Instagram Arranco do Engenho de Dentro

Arranco do Engenho de Dentro: A escola de samba à psiquiatra Nise da Silveira em seu desfile. Nise, conhecida por sua contribuição à reforma psiquiátrica no Brasil, foi reverenciada através do enredo “Nise da Silveira e a Força do Amor”. A trajetória da psiquiatra, que revolucionou o tratamento de pacientes com transtornos mentais através da arte, foi representada de forma vibrante e tocante pelos componentes da escola, destacando seu legado de humanização e respeito à diversidade.

O desfile do Arranco do Engenho de Dentro ressaltou não apenas a importância da obra de Nise da Silveira, mas também a sua mensagem de amor, empatia e inclusão.

 

Imagem: Reprodução/Youtube Site Apoteose

Em Cima da Hora: A escola “Em Cima da Hora” teve como tema de seu desfile em 2024 o trabalhador brasileiro. Os ritmistas vieram de capacete, e vestiram uma camisa com uma releitura da obra “Trabalhadores”, de Tarsila do Amaral, que substituiu os rostos pintados pela modernista pelos dos próprios integrantes da escola.

Imagem: Reprodução/Instagram Portela

Portela: A Portela se destacou na Marquês de Sapucaí com um desfile inspirado na obra “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, que narra a jornada de Kehinde, uma mulher africana que enfrentou os horrores da escravidão no Brasil do século XIX. A homenagem da escola celebrou a força das mulheres negras e a luta das heroínas pretas no país, trazendo à tona questões de liberdade e resistência. 

Paralelamente, a cidade de Salvador exibe a exposição “Um Defeito de Cor“, também inspirada pela obra de Ana Maria Gonçalves, que chegou à capital baiana em novembro do ano passado para a reabertura do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira. Entre alguns dos artistas contemplados e expostos pela mostra estão Tiago Sant’ana e Emerson Rocha, cujas obras foram reproduzidas ao longo do desfile da Portela, entretanto sem receber os devidos créditos pelo trabalho dos criativos.

Frente a ausência de Sant’ana e Rocha na Sapucaí em 2024, o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira divulgou uma nota em seu perfil do Instagram repudiando a não atribuição dos direitos autorais dos artistas pela Portela. A organização também prestou solidariedade aos criadores, reforçando que “o direito autoral moral dos artistas é inegociável e intransferível”.

Imagem: Reprodução/Tânia Rêgo Agência Brasil

Salgueiro: A tradicional Salgueiro cumprimentou a Sapucaí com um enredo em homenagem ao povo Yanomami, abordando a temática das mudanças climáticas e destacando a resistência dos povos originários. O desfile contou com momentos marcantes, incluindo a apresentação da rainha de bateria Viviane Araújo e a exibição de alegorias neon que refletiam a iluminação da fantasia das alas. Como destaque da apresentação, o público celebrou a participação de figuras emblemáticas na luta indígena como Davi Kopenawa, fundador da Hutukara Associação Yanomami, seu filho Dário Kopenawa, Ehuana Yanomami, primeira mulher yanomami a escrever um livro na sua língua, Morzaniel Iramari, primeiro cineasta yanomami, e o artista visual Joseca Yanomami, junto a ativistas que relembraram a memória de Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira.

O desfile da Salgueiro não apenas celebrou a cultura Yanomami, também lançou um manifesto de apoio e admiração aos povos indígenas. O enredo, concebido para honrar a humanidade dessas nações e denunciar as violências sofridas ao longo da história, trouxe à tona uma mensagem de resistência e luta pela preservação dos territórios e da cultura indígena, culminando em um espetáculo que emocionou e conscientizou o público sobre a importância dessas questões.

Carro Alegórico da Grande Rio, em 2024. | Imagem: Guito Moreto

Grande Rio: Reunindo diversas sabedorias dos povos originários do Brasil, a carioca Grande Rio desfilou no carnaval deste ano entoando o samba-enredo “Nosso destino é ser onça”, inspirado pelo universo fantástico do livro “Meu destino é ser onça”, do escritor Alberto Mussa, que propõe em sua narrativa uma restauração do mito cosmogônico tupinambá. O hino apresentado pela escola em 2024 foi criado pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.

O desfile da Grande Rio contou com a presença do artista Aislan Pankararu, que se destacou na produção do show deste ano. O criativo foi acionado desde a concepção da ideia do desfile, tendo participado ativamente na composição do espetáculo desde a peça de divulgação do enredo da Grande Rio. 

Aislan é natural de Petrolêndia (PE), originário do povo Pankararu e formado em Medicina. No ano de 2019, ele retomou seus antigos hábitos de praticar o desenho e a pintura autodidata, iniciando assim sua trajetória no mundo das Artes Visuais. Através de elementos pictóricos tradicionais da pintura corporal de seu povo, o artista dá vida a desenhos e pinturas feitos sob papel kraft e telas, que contam sobre as lutas de resistência do povo Pankararu através de figuras dotadas de movimento e cores vibrantes. 

Sobre o trabalho de Pankararu na construção do desfile da Grande Rio, Leonardo Bora contou em entrevista para a Band News que“A arte de Aislan nos faz refletir sobre as ideias de cura, semeadura, floração, transformação. É interessante como a onça está diretamente associada a rituais xamânicos de cura, ocupando posição destacada em um sem fim de histórias, causos, mitos, narrativas de artistas tão expressivos como Rosa Magalhães e Guimarães Rosa. A gente está bebendo desse caldo, construindo um enredo que parte do mito tupinambá para visões e projeções muito contemporâneas – daí a importância do diálogo, já na arte de divulgação do enredo, com a produção de um jovem artista como Aislan Pankararu”.

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