Filme sobre Salvador Dalí revela como o artista virou um mito

Dirigido por Mary Harron, o filme “Daliland: A vida de Salvador Dalí” mistura fama, ganância, paixão, extravagância e arte

Tempo de leitura estimado: 4 minutos
Daliland
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“Às vezes é tão difícil ser Dali” – a frase final do trailer oficial do filme Daliland: A vida de Salvador Dalí, dirigido por Mary Harron, escrito por seu marido, John C. Walsh, já revela que a  trama não decorre somente sobre o trabalho do maior representante do Surrealismo. Vai além: nos mostra o homem por trás do mito – ou melhor, o homem que se transformou em seu próprio mito e trabalhou incansavelmente para sustentá-lo, porque isso, mais do que suas criações artísticas, era como ele ganhava a vida…e dava trabalho! 

O filme retrata Dalí não apenas como um artista, mas como alguém desempenhando o papel de artista – interpretando a si mesmo e transformando seu próprio personagem em uma estrela no cenário mundial. Afinal, se os  relógios derretidos transformaram Salvador Dalí em uma marca, seu bigode encaracolado fez dele um logotipo vivo para ela.  E aparentemente todos que orbitam seu universo estavam ali com um único objetivo: aproveitar a fama, extraindo o máximo possível de capital social, cultural e real do nome de Dalí. A começar pela própria musa,  Gala Dalí (Barbara Sukowa) –  a esposa do artista era a chefe do “império  Dalí”, sua única crítica de confiança e feroz defensora.

Fascinada pelo dinheiro do mercado de arte, ela  era  também a única que podia fazê-lo pintar em momentos críticos, com um tapa nas orelhas – suas explosões de raiva serviam de combustível e inspiração. “Eu preciso dela”, exclama o artista no filme. 

Mas o  tema do filme não é exatamente Dalí, mas sim a percepção dele, a experiência de sua presença; o protagonista do filme é James Linton (Christopher Briney), um jovem brilhante, mas ingênuo, que abandonou a escola de arte , está há apenas alguns meses em seu primeiro emprego como assistente numa galeria de arte.

Ele se vê atraído para a órbita de Dalí quando o artista chega na cidade três semanas antes da exibição de seu trabalho na galeria. O diretor da galeria, Christoffe (Alexander Beyer), envia James em uma missão delicada: a entrega de um envelope com dinheiro para Gala Dalí (Barbara Sukowa), a esposa do artista, que era a chefe do “império  Dalí”, sua única crítica de confiança e feroz defensora.

Na suíte do St. Regis onde o casal mora durante sua estada em Nova York, James encontra “dalíland” : uma festa de jovens ostentosamente elegantes que festejam e dançam por conta do artista e enchem o mundo dele e de Gala com um ar de ambição imprudente e desejos ardentes.  O casamento deles, vale lembrar,  não era tradicional e os dois praticavam flertes externos em graus variados, mas eram total e felizmente codependentes. 

Daliland
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James logo se torna um deles. O próprio Dalí, que fica impressionado com a aparência angelical de James, o chama de “San Sebastián” (por causa de uma pintura do artista do século XIX Gustave Moreau) e informa Christoffe sobre seu plano de “pegar esse menino emprestado” para ser seu assistente até que a exposição seja realizada.

O grupo conta, ainda, com  o roqueiro Alice Cooper (Mark McKenna), a quem Dalí adora; o cantor Jeff Fenholt (Zachary Nachbar-Seckel), protegido, aproveitador e amante de Gala; Amanda Lear (Andreja Pejić), modelo e musicista que, no filme, supostamente é uma mulher trans; e uma jovem chamada Ginesta (Suki Waterhouse), que tem um caso com James enquanto o avisa sabiamente: “Todo mundo está aqui por um motivo”.

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Era Nova York, em 1974, e em meio a esse caos calculado, Dalí compara-se modestamente a Deus – fazendo de tudo, menos garantir a produção de arte para cobrir as paredes da galeria de Christoffe. É aí que James se envolve ainda mais profundamente com o artista: Gala invade o espaço de trabalho de seu marido e exige que James se torne o guardião de Dalí, mantendo-o presente e focado em seu trabalho nos últimos três dias antes da exposição.

James vive, neste ciclo, turbulências e desilusões amorosas e  também descobre que custa dinheiro fomentar essa turbulência criativa – vinte mil dólares por mês, diz o capitão Peter Moore (Rupert Graves), secretário de Dalí.  E logo percebe as tramóias que os Dalís empregam para impulsionar os negócios em um momento em que seu novo trabalho não estava vendendo. 

Mas é fato que essa mistura do artista e da celebridade extravagante e excêntrica é retratada, no filme,  como a essência das conquistas de Dalí, para o bem e para o mal. Afinal, ele construiu uma  iconografia tão potente de si mesmo que vendia mais sua criatividade e genialidade que as próprias telas. 

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