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Entrevista com Lilia Schwarcz sobre a exposição Histórias Brasileiras no MASP

Convidamos a historiadora e diretora curatorial da exposição Histórias brasileiras para conversar sobre o impacto da coletiva

Tempo de leitura estimado: 9 minutos
“Luta”, 1960 – Claudio Tozzi.

Hoje, dia 26, uma memorosa exposição é inaugurada no MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Em um ano de eleições, de celebração e revisão do bicentenário da independência do Brasil e do centenário da Semana de Arte Moderna, a coletiva Histórias brasileiras se faz poderosa por sua pluralidade em vários âmbitos: ao revisitar diversas narrativas, visibilizar inúmeras identidades brasileiras e apresentar aproximadamente 250 artistas e coletivos divididos entre oito núcleos curatoriais. 

Em ocasião desta mostra, o museu estendeu a gratuidade agora também para as quintas-feiras até o seu encerramento, o que indica um aceno à popularização e acessibilidade de uma mostra que visa dialogar com a ampla população.

O time curatorial tem direção de Adriano Pedrosa, diretor artístico, e Lilia Moritz Schwarcz, curadora convidada, e conta com Tomás Toledo, Clarissa Diniz e Sandra Benites, além de outros seis nomes já da casa. Por isso, convidamos a historiadora Schwarcz para conversar sobre a exposição e analisar alguns simbolismos e significados que ela carrega. 

Leia a seguir a entrevista: 

Giovana Nacca – Em um ano de celebração do centenário do modernismo brasileiro e bicentenário da independência, nós estamos vendo uma programação intensa, desde o ano passado, de exposições voltadas para essas temáticas e para pautas de identidade nacional como um todo. O que podemos destacar desta exposição em relação às demais? 

Lilia Schwarcz – Olha, em primeiro lugar, a particularidade de um programa longo do Masp. O programa de histórias que eu faço a coordenação junto com Adriano Pedrosa, na verdade, é um programa que veio de uma exposição em 2014, no Instituto Tomie Ohtake, chamado “Histórias Mestiças”. Foi depois desse contexto que o Adriano entrou no Masp e me chamou. E desde então nós fizemos várias histórias: histórias da infância, histórias da sexualidade, histórias afro-atlânticas, histórias das mulheres, histórias feministas. Não pudemos fazer histórias da dança por causa da pandemia, ficou toda montada, mas teve que ser divulgada de outra maneira. E agora as histórias brasileiras.

Então eu destacaria que esse é um projeto amplo, que faz parte de praticamente uma filosofia que tem a ver com a gestão do Adriano. Elas sempre misturam tempos, espaços, suportes e gerações, sem uma perspectiva cronológica clara. Colocamos artistas consagrados do passado, como Frans Post, com artistas contemporâneos, como Jaime Lauriano. 

A segunda especificidade é que é uma exposição que se organiza por núcleos temáticos – como sempre no Masp. Então, a ideia de fazer uma organização por seções também é muito nova, porque ao invés de você organizar canonicamente, seja por escolas, seja por períodos, seja por autores, você embaralha essas histórias brasileiras. 

Outra questão é o número de artistas convidados, é um número muito elevado. E, por fim, o fato de combinar obras já existentes do acervo do Masp ou de outros acervos, com obras especialmente comissionadas para essa ocasião.

GN – A exposição é realmente ampla, como você disse. São 380 obras, 8 núcleos temáticos, um time curatorial de mais de 10 pessoas e está sendo preparada há seis anos. Quais foram os maiores desafios até a inauguração?

LS – O desafio foi fazer as obras dialogarem, nós sabemos que uma coisa é a intenção e outra é a que se realiza. Outro desafio foi conseguir obras que não fossem sudestinas, trazer gerações, raças e gêneros diversos. Isso era algo muito importante, já que são “histórias” no plural. Eu trabalho muito com o conceito de marcadores sociais da diferença, há uma intenção muito clara de interseccionar esses marcadores. Então, penso que esse foi um grande desafio. E por último, acredito que também teve o desafio de lidar com tantas curadorias distintas e fazer com que elas, na contradição, na tensão, viessem concretizar todo o processo.

GN – Com tantas obras, qual ou quais, na sua opinião, vão surpreender mais o público?

Ah, são tantas obras importantes. Eu acho que o conjunto impressiona, sabe? E como eu não quero voltar ao cânone, eu também não quero direcionar aquele que vai nos ler a achar que eu tenho um peso e uma medida que não correspondem a essa nossa intenção. 

GN – Sobre o núcleo “Mapas e bandeiras”, eu não consigo deixar de pensar sobre a relação com as eleições e a Copa do Mundo que acontecem este ano. Nós vimos a bandeira do nosso país, pouco a pouco, ser apossada por um grupo político pseudo-patriota e hoje é quase um ícone partidário. Mas ao longo de quase toda a história da arte no Brasil nós temos muitos exemplos de artistas que subvertem o simbolismo da bandeira. O que nós podemos aprender com os artistas deste núcleo?

Bruno Baptistelli
Bruno Baptistelli, ‘Bandeira afro-brasileira (em diálogo com David Hammons) – 2a versão’, 2021

LS – Esse é um núcleo para o qual eu fiz a curadoria, porque além de ser a curadora geral, junto com o Adriano, eu fiz algumas curadorias de núcleos específicos. Esse, por exemplo, foi junto com Tomás Toledo, um curador muito especial que eu acompanho e trabalho junto há muito tempo. Como você disse muito bem, essa é uma tradição antiga. Mas eu iria além: qualquer mapa ou bandeira, é sempre uma leitura ou uma criação. Se nós pegarmos como exemplo o mapa que a gente apresenta de 1647, cuja autoria é anônima e que a gente extrai da Biblioteca Nacional, ele é uma criação. Ou então o mapa do Giacomo Gastaldi, que deve ser de 1556 talvez, ele também é uma criação. A gente pode ver isso na forma do mapa, nos monstros, nas caravelas, nos indígenas lutando. É uma criação tanto quanto a criação do Jaime Lauriano.

Mas nós tivemos a nossa bandeira sequestrada por um governo muito autoritário, muito retrógrado. A bandeira é um símbolo nacional, não é um símbolo de um grupo ou de outro grupo. E o núcleo apresenta exatamente essa perspectiva. A ideia não é rasurar a bandeira, mas fazer dela um símbolo maior. A democracia é sempre um regime incompleto e a nossa bandeira não representa a todas, a todos e a todes nós. Por isso, uma bandeira como a do Bruno Baptistelli é uma bandeira brasileira. Assim como a bandeira do Abdias Nascimento, que verticaliza a nossa bandeira. Eu gosto muito também da bandeira do Frederico Costa, que é uma bandeira da população LGBTQI+, ou ainda a do Leandro Oliveira, que escreve “índios, negros e pobres”. Então, enfim, são muitas as bandeiras. No fundo, a gente quer provocar a população: qual é a sua bandeira? De que bandeira você quer falar?

GN – Um outro núcleo da exposição que conta com a sua curadoria é o chamado “Rebeliões e revoltas”. A gente costuma ter uma ideia de que o Brasil é um país de histórico “pacífico” se comparado a muitos outros. Quais histórias este núcleo revela?

“Lute”, 1967 – Rubens Gerchman.

LS – Um dos desafios desse núcleo era justamente se opor a essa ideia de que o Brasil é um país pacífico. Não tem nada de pacífico, o Brasil sempre foi um país muito violento. Só pelo fato de ter sido o último país a abolir a escravidão, ou pelo fato de termos dizimado as populações indígenas da maneira como nós fizemos, podemos constatar que esse é um país de fato violento.

O núcleo pretende não só apresentar as rebeliões do passado, que são muitas, como também dialogar com o nosso presente numa perspectiva bem ampla. Então, nesse núcleo, o André e eu pensamos desde os movimentos da Av. Paulista, até as imagens Pops do Gerchman, as imagens da conjuração e as imagens de Canudos. A ideia é trazer a parte faltante dessas histórias pela metade, que falam dos bandeirantes pelo seu lado de aventureiros, de entendedores, mas não falam de se comportarem como um exército mercenário, um exército que aprisionou indígenas e escravizados. E aí tem suportes diferentes, até mesmo a inclusão de muitos panfletos. Quer dizer, não são obras no sentido que costumamos ver, são mais efêmeras, mas que precisam aparecer na exposição também.

GN – A exposição inclui, por exemplo, fotografias do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a bandeira das Serigrafistas Queer em forma de protesto com o caso de assassinato da senadora Marielle, entre muitos outros exemplos que podem nos levar a categorizar a exposição com um forte viés político, concorda? Quais são os limites entre os museus e a política? – eu não vou nem perguntar da perspectiva dos artistas, porque eu acho que é quase impossível. 

Serigrafistas Queer
Serigrafistas Queer, “Les bi, as bichas, aos trans, as pretas, os favelados, lxs villerxs, as sapatão contra el golpe, com Marielle”, 2018

LS – Eu sei que isso se refere também à questão do núcleo retomadas, não é verdade? Eu devo dizer que eu já fui uma curadora adjunta e agora sou uma curadora visitante. Com relação a essa exposição, eu participei bastante de toda a “argamassa”. Eu já estou no museu há um bom tempo, salvo engano, desde 2015, e não me parece que nesse tempo todo tenha existido alguma trava por parte da direção do museu. Não me parece. Eu nunca vi.

Como você bem falou, toda arte é política. Por outro lado, nós vivemos um momento que tem pedido à nós muita cidadania ativa e vigilante. Ou seja, estamos prestes a ter um processo eleitoral difícil para a história do Brasil. Posso falar em meu nome que tivemos quatro anos de um presidente que foi negacionista. Um presidente que ataca as nossas instituições democráticas. Então, acho que o museu não pode se calar. Até por conta do histórico do Masp, do histórico dos seus antigos curadores e diretores, não se pode calar diante do que a sociedade brasileira está vivenciando neste momento. Nesse sentido, acho que as travas são frouxas, ou seja, os limites são borrados, precisam ser borrados e serão borrados. Por outro lado, nunca se controla a recepção de uma exposição grande como essa.

O meu desejo pessoal, como Lilia Schwarcz, é que ela borre todos esses supostos limites. Sempre foi assim. Mário Pedrosa, que sempre foi uma grande inspiração para todas, todos e todes nós, fez um museu da democracia no Chile e sofreu com o contexto da ditadura militar. Ele tinha uma frase de muita utopia: “em momentos de crise, fique próximo de um artista”. Eu tenho procurado fazer isso, acho que é o melhor farolete.

André Vilaron
“Mulher, mãe terra, MST”, 1996 – André Vilaron

GN – No núcleo “Retratos” são justapostas representações de vozes que foram apagadas de alguma forma ao longo da história – como as indígenas, negras e ativistas – e retratos icônicos da história brasileira, através de autorretratos ou representações de figuras de poder de diferentes períodos. Essa parte da exposição tem uma relação direta com a exposição do Dalton e com a Enciclopédia Negra, certo? São apenas obras comissionadas?

LS – Esse núcleo de retratos é muito tradicional para mim e para o Adriano. Se você pensar no Histórias mestiças, nós tínhamos um núcleo chamado “Retratos e Máscaras”. No Histórias afro-atlânticas, nós tínhamos igualmente um núcleo sobre retratos. Então, estamos falando de um núcleo muito caro ao Adriano e a mim. 

Eu trabalho muito próxima do Dalton Paula e de uma série de artistas afro-brasileiros por conta da Enciclopédia Negra. E eu acho que o retrato sempre foi um formador de cânones. Não à toa, os retratos na história da arte brasileira, que são um braço do colonialismo, sempre foram de pessoas das elites sociais, culturais, políticas e, não à toa, elites brancas. E há um apagamento dos personagens da nossa história, há um silenciamento.

Uma autora que eu gosto muito, a Saidiya Hartman, nos chama a atenção que, diante desse verdadeiro genocídio da nossa memória, nós temos que ficcionalizar criticamente a partir dos elementos que nós temos, que vem da história e também a partir dos elementos do presente. Olha lá o que faz o Dalton. Ele trabalha comigo nessas biografias, onde eu e o Flávio Gomes trazemos elementos da história, mas, ao mesmo tempo, ele faz os retratos a partir das pessoas que ele vai conhecendo na rota do ouro, na rota do cacau, etc. Então essas tantas temporalidades permitem que a gente reconstrua essa nova pinacoteca de retratos.

Então, te respondendo, tem muitas obras do acervo do Masp e de fora do Masp também, mas tem muitas comissionadas. E é claro que nós precisamos comissionar, porque esses retratos não existem, e isso não é uma coincidência. Aqui a gente tem novamente um ato político. Só vamos descolonizar o nosso imaginário quando nós trouxermos outros repertórios faltantes no Arquivo Colonial. Então, por isso que esse é um núcleo com tantos condicionamentos. Foi o último a terminar também.

GN – Como é o processo de escolha desses personagens? O que é decisivo para cada um deles ser representado entre tantos?

LS – Foi uma negociação entre eu e Adriano sobre personagens que nós queríamos que estivessem, personagens que não poderiam faltar e artistas também que não poderiam estar de fora. Nós usamos sempre esse critério, que é também o critério da Enciclopédia Negra, de interseccionar marcadores sociais da diferença. Queríamos que tivesse artistas representativos geracionalmente, racialmente e em gênero, sexo e região, como também aqueles artistas que a gente queria que ganhassem um “retrato na parede”, como diz a expressão.

GN – Tem mais alguma coisa que você gostaria de destacar sobre a exposição? 

LS – Acho que esse processo das histórias brasileiras foi muito vivo e dinâmico. Nós pudemos aprender muito com toda questão que surgiu. Como o “Retomadas”, acho que o museu aprendeu que tem que melhorar seus processos de comunicação. E acho que essa é uma exposição eminentemente política. Até porque, como diz o Guimarães Rosa, o resultado se dá no processo. Então, eu acho que esse processo que mobilizou a sociedade brasileira, é um processo bonito de nós destacarmos.

E não foi a primeira vez, porque no Histórias da Sexualidade também deu uma ampla discussão sobre se podia, se não podia, como que fazia. Então acho que esses processos são muito significativos, tanto para a aprendizagem do museu, como também da própria sociedade brasileira. Ou seja, se a gente quer fazer de fato um museu inclusivo, amplo e plural, que está na missão do Masp, é preciso lidar com a efervescência da cidadania brasileira, como nesse processo que nós passamos agora. 

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